Por Alexandre Machado é Advogado*
Notícia recorrente e por diversas vezes apresentada pelo jornal A Tribuna, a chamada “Operação Descarte” ressurge. Agora capitaneada pelo Marinha do Brasil e por demais agências, fiscalizou durante três dias e autuou embarcações no canal e na área de fundeio do Porto de Santos, identificando novas irregularidades no descarte de substâncias no mar – o que vem demostrar a fragilidade do setor de controle.
A questão do transporte marítimo e do meio ambiente é paradoxal, uma vez que o modal proporciona benefícios socioeconômicos substanciais, mas, ao mesmo tempo, está impactando os sistemas ambientais. Por um lado, essa atividade atende às demandas crescentes de mobilidade de cargas, enquanto, por outro, está associada a grandes impactos ambientais. Nesse sentido, enquanto a indústria marítima é regulada e controlada em termos de passivos e responsabilidade ambiental, a abordagem seguida pelo setor portuário é a do compliance por meio de autorregulamentação voluntária. Por tanto, acredita-se que essa abordagem seja apropriada, uma vez que cada porto é único em termos de perfil comercial, características geográficas e, por vezes, pela maneira como é administrado.
Por outro lado, na prática e devido às diversidades do setor portuário, o controle do Sistema de Gestão Ambiental (SGA) poderá ficar comprometido e, por vezes, fora do controle das atividades da autoridade portuária. Este, portanto, incorpora ferramentas de monitoramento em seus sistemas de controle que lhe permitem determinar até que ponto as empresas que operam nos portos estão se comportando de forma adequada, do ponto de vista ambiental.
Dessa forma, até que ponto uma autoridade portuária pode realmente influenciar o transporte marítimo e o descarte de seus efluentes? Pode-se dizer que é inexistente essa possibilidade, mas a oportunidade de encorajar, persuadir e motivar é vista como uma ambição realista realizada rotineiramente por meio de vias de comunicação e troca de informações consagradas pelo tempo. O setor portuário não pode operar isoladamente de suas instituições locais, e tampouco pode conduzir seus negócios sem integrar seus esforços aos órgãos responsáveis e instituições governamentais.
Nesse sentido, observa-se a dificuldade em alinhar a prática da dinâmica portuária com a legislação ambiental vigente, como exemplo, a remoção de sludge (resto do óleo combustível utilizado nos tanques e máquinas e que fica acumulado nos reservatórios do navio) realizada até há pouco pelo transportador, em área portuária, e o seu transporte até o destinador final, o qual tem sido amparado pelo Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) e pelo Certificado de Movimentação de Resíduos de Interesse Ambiental (CADRI), ambos previstos no Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) do empreendedor. Vale ressaltar que os diversos resíduos gerados sempre foram de responsabilidade do transportador, assim como a emissão do MTR e do CADRI em nome desse prestador de serviço autorizado pela autoridade controladora – a Santos Port Authority (SPA) – e identificado como “gerador”.
As atuais mudanças comunicadas pela Cetesb, em sua interpretação da Portaria MMA nº 280, de 2020, determinam que o agente marítimo, na condição de representante legal do armador/ transportador marítimo, conste agora como “gerador” de resíduos da embarcação, ficando responsável pela emissão do MTR-online, pelo CADRI e pela elaboração de PGRS, e não mais o prestador de serviço -transportador. Longe da discussão sobre a responsabilidade do agente marítimo como representante do armador no Brasil e seus atos, a questão a ser discutida será sempre o risco ambiental. Na prática, a solicitação do comandante para descarte será feita diretamente à empresa prestadora de serviço autorizada, nos termos da Resolução Antaq nº 2190, de 2011, e DP nº. 13, de 2014, e, por sua vez, aos agentes marítimos, que por vezes têm negado essa retirada, alegando que o tipo de operação é arriscado e a responsabilidade refletiria a este, em caso de derrame ou contaminação.
Sem dúvida, não há o que se discutir quanto à questão do “gerador”, “o que gera resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo”, já consolidada pela legislação pertinente. A pergunta que fica é quanto à necessidade prática da alteração da medida, tendo em vista que os portos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, continuam possibilitando ao “gerador e transportador” realizarem a emissão documental, ou seja, evitando o aumento da possível negação de limpeza de tanque por certos agentes marítimos, o que por sua vez aumentaria o risco de lançamento de efluentes no mar.
Publicado originalmente em jornal A Tribuna
*Alexandre Machado é Doutor em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, possui Especialização em Direito do Petróleo e Gás e Didática do Ensino Superior, professor de Terminais Offshore, Transporte Marítimo e Comércio Exterior e Logística na Faculdade Estadual de Tecnologia da Baixada Santista (FATEC Rubens Lara/SP).