O Supremo Tribunal Federal transformou-se no coveiro do Regime Constitucional de 1988
Desconstruir a moral, censurar o passado, ruir as instituições, esgarçar o tecido social, reescrever a constituição, judicializar a vida nacional, corroer a liberdade de expressão, moer a liberdade de imprensa, criminalizar o exercício do pensamento crítico, eliminar o mérito e degradar a segurança jurídica nas relações públicas e privadas. Um rol de maldades digno dos vilões a serem combatidos pela Liga da Justiça da DC Comics.
No entanto, é o que parece estar se dedicando a fazer a atual judicatura do Supremo Tribunal Federal.
Estamos todos em “Gothan City”. Lex Luthor determina ao Comissário Gordon que investigue Batman e prenda Perry Mason – Editor do Planeta Diário. Também tratou de banir Louis Lane das redes sociais. Super Homem passou a ser execrado por ser “capacitista” e “meritocrático”. A liga da Justiça está sendo processada pelo Pinguim. Charada e Duas Caras comandam o Congresso Nacional. Imaginem onde está o Coringa…
Seria cômico, mas parece sério.
A pior judicatura da história
A relação é de causa e efeito.
Nas duas primeiras décadas deste século, a economia e as instituições nacionais foram devoradas por uma avassaladora onda de corrupção – no aspecto criminal, ético e moral.
Nesse ambiente degradado, governos populistas se empenharam na indicação de juristas para tribunais superiores, valorizando o engajamento ideológico ou amparo jurídico que estes pudessem fornecer – jamais o mérito que possuíssem. O desastre ético embutido nas escolhas fragilizou a segurança jurídica nacional.
A composição do aparelho dirigente da Justiça Nacional, portanto é excreção das circunstâncias, da degradação de valores e da má qualidade dos dirigentes e líderes políticos nacionais dominantes no período.
Mesmo o Presidente Michel Temer, uma exceção que imprimiu importantes reformas institucionais, legou ao Supremo Tribunal um contra-senso de seu governo, fruto dessas mesmas conturbadas circunstâncias.
Com magistrados de escol substituídos por “juristas engajados”, a cúpula do Judiciário Nacional passou a implementar uma espécie de “destruição criativa” no sistema jurídico – sem qualquer funcionalidade schumpeteriana (*1).
O caráter “ativista” dessa geração de operadores do direito expressa a onda “bolivariana” e a “hegemonia dos ofendidos” – traços característicos do “politicamente correto”, um rasgo tosco da má leitura da chamada “Escola de Frankfurt”(*2), marxismo cultural que contamina governos democratas nos EUA, destrói parte da Europa há décadas e… aqui, foi inoculado no governo FHC e seguintes.
O “estado de coisas inconstitucional” age por meio de pérolas jurisprudenciais desagregadoras, excretadas em sequência, desarmonizando a relação dos poderes da República.
Nietzche apontava a má digestão, proveniente da pesada gastronomia alemã, como razão da profundidade “mal humorada” dos pensadores germânicos. Esse raciocínio se aplica também às relações intestinas da nossa Côrte Suprema, plena de episódios coléricos entre seus membros, nada litúrgicos (*3).
Agindo dessa forma, a Côrte externa desavenças em decisões que não pacificam a jurisprudência – inovam a insegurança; não resolvem conflitos – os criam; não aperfeiçoam a governança – a destroem.
É sem dúvida a pior judicatura da história do judiciário brasileiro, e assim ficará estigmatizada na perspectiva implacável do tempo. Retrato fiel do fisiologismo político que hoje nos fere e sob cuja égide essa geração foi indicada.
Aiatolás em ritmo de tango
O STF substituiu o conservadorismo e o viés constitucionalista – que se espera de qualquer côrte superior, pelo principiologismo ativista.
O ativismo judicial é um fenômeno sociopata. Destrói a cognição do ato de julgar. Retira do judicante qualquer veleidade deontológica e permite que este atue no modo utilitarista, usando a ocasião para afirmar interesses ideológicos. Assim, o ativista “iluminado” transforma a tutela judicial em verdadeiro subprime – um “crédito de risco” a decisões que não resolvem e, sim, geram conflitos.
Dessa forma, supremos ministros tornam-se Aiatolás. Sábios que “interpretam” a norma jurídica à luz de suas crenças pessoais. “Princípios” são adaptados a circunstâncias próprias, teleológicas, em prejuízo da deontologia, necessária e experimentada.
Os julgamentos televisionados, importante registro histórico do momento, parecem no entanto ter agravado o fenômeno. Sob os holofotes da mídia, o sodalício aderiu ao populismo judiciário. O ego dos componentes passou a falar mais alto que a vontade do colegiado. Resultado: transbordam hoje, no plenário, frases de efeito e até ironias… e seca a sobriedade – na forma e no conteúdo.
Somado ao protagonismo histriônico, ocorre uma impressionante dificuldade de atender colegiadamente a demanda monstruosa de processos. Essa demanda fracionou o colegiado e transformou onze ministros em “onze tribunais”, turbinados pela atividade frenética das imensas e inacreditáveis assessorias técnicas, instaladas em cada um dos onze gabinetes.
A falta de colegialidade alicerçou o divisionismo e o descompromisso com a segurança jurídica. Sintomático dessa disfunção é o reiterado e sempre apertado score “por una cabeza“, obtido sistematicamente nas decisões plenárias e camerais.
O resultado por diferença de um voto no tribunal, retransmite o eco do emblemático tango de Gardel – lamentando em sua obra a aposta perdida na corrida de cavalos… e no amor por uma mulher.
Ditadura da Caneta
Como o tango demanda um casal de dançarinos, o protagonismo dos supremos ministros é coadjuvado pelo Ministério Público Federal – hesitante e igualmente aparelhado – degradado pelo mesmo processo ideológico, extraído não raro do mais rastaquera ativismo estatocrata. Uma instituição que hoje luta para se livrar da Ditadura da Caneta, ruinosa perversão institucional que corrói a administração do Estado e é de difícil correção, que tratei em artigo escrito há anos (*4).
O reflexo dessa química é nefasto. Hoje, na Administração Pública, há um temor por decidir, e certo conforto em obstruir, negar, perseguir e desmobilizar. E há grande responsabilidade do Supremo Tribunal, e dos demais igualmente desfuncionalizados tribunais superiores, na manutenção desta ditadura. Gangorra jurisprudencial
O desarranjo institucional tem um alto custo: obriga os demais poderes da República a “contornar” conflitos para não enfrentar o império das subjetividades instalado na jusburocracia. Com Poderes da República fragilizados, esse contorcionismo institucional resulta na aceleração reativa da gangorra jurisprudencial instalada no STF (*5).
Na gangorra, o Supremo Tribunal Federal consolida assimetrias, tornando-se claramente liberticida e tutor de interesses ideológicos desagregadores. A insegurança jurídica afeta até a primeira instância do judiciário, permite que o proselitismo impere no lugar da lei.
Busca-se hoje relativizar até mesmo o passado. Decisões prolixas consomem inacreditáveis centenas de laudas digitalizadas, sempre lidas de forma aborrecida em sessões televisionadas, sem resolver os conflitos a que se destinam.
Constituição “Para Colorir”
Triste resultado. Reduzida a “Livro de Colorir” por força da gangorra jurisprudencial, a moribunda Constituição de 1988 serve de “escada” para arroubos principiologistas de magistrados de várias instâncias e entrâncias, intoxicados pelo “supremo” protagonismo, pelo ativismo e pelo corporativismo.
Esse “Direito Constitucional para Colorir” do STF, tornou-se manual recorrente no mundo do ativismo judicial e da militância do “politicamente correto” no campo judiciário. Tem o condão de hoje empobrecer até mesmo o debate acadêmico e reduzir à miséria o ambiente nas salas de aula.
Lava Jato
Essas “idas e vindas” agravaram-se com o avanço das investigações da Operação Lava Jato.
A maior operação contra a corrupção de alto coturno ocorrida em um país democrático, em todo o mundo aguçou o comportamento idiossincrático da corte. (*6)
A insegurança procedimental judiciária parece ter interagido, contracenado com o podre establishment (que contamina de alto a baixo, e não de hoje, as instituições da República).
Em verdade, o establishment tropeçou na própria arrogância. Ele “permitiu” que uma força tarefa, num “distante” foro federal do Paraná, surpreendesse o mundo, aprisionando peixes graúdos do oceano da corrupção internacional e resgatando impressionantes quantias roubadas do povo brasileiro.
Recompostos todos do susto, o senso de justiça sobre a forma fria da lei – que marca o discurso ativista, foi invertido para priorizar a filigrama jurídica sobre o senso de justiça, sempre em nome do mesmo ativismo…
O desastre jurisprudencial que hoje observamos estendeu-se sinergicamente por variadas decisões do STF sobre tudo. Um caleidoscópio de paradoxos sintomáticos (*7), corroendo como um câncer o tecido social e judicializando os alicerces da Nação.
Conclusão
Algo de muito grave ocorre na cúpula do Poder Judiciário. E isso afeta a República e a democracia do Brasil.
Há relação de causa e efeito entre populismo judiciário e o esgotamento da Nova República, consolidada na constituição de 1988.
Sobraram o povo e a democracia. E ambos precisam ser resgatados.
Responsabilizar os Ministros da pior judicatura da República pelos abusos praticados, seria o caminho constitucional. Mas é cediço que o problema é mais profundo que o comportamento idiossincrático deste ou daquele julgador. E, pelo andar da carruagem no governo e no Senado Federal, a substituição das peças deverá levar a algo ainda pior.
A saída pode estar na proposição de uma reforma constitucional que reenquadre o sodalício, a começar pela instituição de um mandato temporário, não renovável.
Hora do Senado da República atentar para as disfunções do STF. Determinar inclusive o óbvio, por marco legal: que julgadores nunca se expressem na imprensa sobre questões políticas ou se manifestem para além da letra posta nos autos do processo.
Mas, repita-se, a falta de qualidade do cume togado é extensão da má qualidade instalada nos demais poderes da República. Lembremo-nos do quadro pintado via DC COMICS, no início deste artigo…
Resta-nos, portanto, ter muita paciência e saber exercer a Soberania Popular, com todas as restrições impostas a ela pelo acovardado establishment.
Já diziam os romanos: “poder e glória são efêmeros”. Assim, a tinta dos que escrevem mal secará, e a caneta da história corrigirá a pantomima que hoje tentam nos impingir.
Data venia, a história ainda registrará, de forma implacável, que a pior judicaturado Supremo Tribunal Federal enterrou o Regime Constitucional de 1988 no cemitério da República.
Notas:
*1 – A destruição criativa ou destruição criadora foi popularizado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, na sua obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (1942). Refere-se ao processo incessante de transformação industrial, que destrói estruturas econômicas e cria novas, em substituição às moribundas.
*2 – PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Esquerdismo Virou coisa de Louco”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2015/11/esquerdismo-virou-coisa-de-louco.html
*3 – Em recente bate-boca televisionado, entre os Ministros do Supremo, Gilmar Mendes disparou em uma conferência que “de vez em quando somos esse tipo de Corte que proíbe a vaquejada e permite o aborto”, no que recebeu de Luís Barroso, em plenário a acusação de que sua jurisprudência variava conforme o réu. “Isso não é Estado de Direito, é Estado de compadrio”, afirmou Barroso.
*4 – PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Ditadura da Caneta”, in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2013/03/a-ditadura-da-caneta.html , visto em 5/03/2018.
*5 – A gangorra jurisprudencial pôde ser observada:
1- no ir-e-vir da responsabilização de envolvidos nos escândalos de corrupção (conforme o status ou poder político e econômico do personagem em foco); 2- no atropelo constante de atribuições próprias do legislativo (um tribunal que resolveu legislar sem mandato), 3- nos “redesenhos” de dispositivos constitucionais (ao gosto da teoria da moda), 4- no engajamento libertário contra institutos morais (como se um tribunal de velhos experimentados pudesse voltar á adolescência), e 5- no esgarçamento jurisprudencial das regras de competência e jurisdição, ou de padrões culturais e valores (no esporte, na família, na Segurança Pública, etc…).
*6 – O STF tratou primeiro de fatiar e distribuir o trabalho persecutório e judicante para vários outros juízos além da sede original, desconcentrando a força-tarefa de Curitiba. Essa distribuição resultou na formação de novas forças-tarefa nos demais estados, e o STF passou então a desfiar decisões conflituosas desorientando diligências e decisões, como a de negar instância de revisão colegiada a acordos de delação e leniência – em claro conflito com a constituição. Isso, com proferimento de decisões monocráticas em fases procedimentais que demandariam o crivo do colegiado, o ato de libertar presos condenados por conta de “habeas corpus de ofício” e decisões provisórias de cunho “garantista” que fatiaram a investigação de casos complexos (dificultando a persecução penal contra lideranças políticas importantes), negando vigência às próprias decisões de plenário. O excesso escandaloso de revisões de decisões que deveriam já estar consolidadas, por mecanismos processuais transversos, tornou a jurisprudência do Supremo, no campo da Lava-Jato, uma bolinha em constante movimento numa roleta.
*7- Vejamos alguns rápidos e tristes exemplos:
a) Manutenção das urnas eletrônicas – A urna eletrônica não permite a recontagem de votos ( algo garantido desde o ostracismo na Grécia Antiga. Como qualquer sistema de votação sem garantia de aferição manual, pode sofrer influência por manipulação algorítmica – fato constatável em qualquer dispositivo cibernético sem exceção. Não por outro motivo, o Congresso Nacional determinou, em 2014, que o voto do eleitor resultasse impresso no mesmo momento, na própria urna, permitindo eventual recontagem. No entanto, os Ministros do STF adotaram entendimento contrário ao mandamento legal votado no parlamento. Com isso, a ladainha do questionamento dos resultados continuou a ocorrer.
b) Conspirações e conspiradores – No escandaloso caso da JBS, ocorreu a homologação de “delações premiadas” notoriamente manipuladas, que serviram de apoio para uma tentativa precipitada de promover ação desestabilizadora contra o chefe de Estado. Posteriormente, o Supremo Pretório resolveu monocraticamente autorizar investigação policial do Presidente da República Michel Temer, ainda no pleno exercício do mandato. Permitiu a quebra do sigilo bancário e a feitura de buscas e apreensões no palácio da presidência… tudo isso em meio a um delicado processo eleitoral, em 2018. Ação de cunho político que ganhou cunho desestabilizador.
c) Código Florestal – Foi por apenas um voto que o Supremo não fez rolar escada abaixo toda a cadeia produtiva do agronegócio. A côrte quase sucumbiu ao discurso natureba, destinado a inviabilizar a economia agrária no Brasil. Por pouco não tornou inconstitucional vários dispositivos conciliatórios, constantes no Código Florestal de 2012, e ainda introduziu a figura legal da “identidade ecológica” – como se a botânica devesse se transferir para o campo da psicanálise…
d) Instituição da família e defesa da vida – Fragilizando a defesa da vida, o STF praticamente justificou as “fábricas de anjinho” admitindo ocorrer um aborto para gestações de até três meses. Parece que os ministros se preocuparam com a defesa do corpo da mulher sem atentar para a vida, o corpo e os direitos do nascituro…O STF também dispensou de autorização judicial a mudança de nome civil com alteração do sexo para menores de idade em conflito quanto á própria sexualidade. Manteve, no entanto, a necessária autorização judicial para alterações de nome civil sem qualquer conflito dessa natureza, de heterossexuais. Transformou, com isso, transtornos e dúvidas pessoais em direito, em nome da ideologia de gênero. Desfez o arcabouço biológico, médico, psiquiátrico, psicológico e psicanalítico até aqui construído pela ciência para tratar o assunto.
e) Presunção de inocência – O STF transformou a presunção de inocência – e o cumprimento de sentença condenatória antes do lançamento do acusado no rol dos culpados, em um verdadeiro ioiô jurisprudencial e processual. O descompasso protagonizado nos vários bolsões “progressistas” da jusburocracia é, agora, reproduzido no supremo pretório a cada espirro do Ministério Público contra um prócer lulopetista ou tucano, beneficiando, obviamente, a criminalidade.
f)Inquérito-guarda-chuva – Na presidência de um inquérito “bom brill”, o ministro nomeado determina diligências, expede mandados de prisão, investiga e… julga. Algo que sequer Torquemada – de triste memória na Santa Inquisição, ousaria fazer. E tudo sob os auspícios do colegiado.
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Obs: artigo revisado em 2021
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, advogado formado pela USP, consultor ambiental, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 29/07/2018
Edição: Ana Alves Alencar
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