Julgo, com todos os senões possíveis, que nosso Supremo Tribunal está a caminho de poder sofrer representação junto ao Tribunal Penal Internacional
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O populismo judiciário está no centro da crise no Brasil. Ele é o mais nefasto fenômeno de distorção da ordem jurídica no Estado e expressa crise capaz de romper o tecido institucional que sustenta o regime democrático.
Vivemos a pior judicatura da história do Brasil. O STF, hoje, abriga o pior extrato de julgadores de sua história – independente do valor individual de cada um. A questão é objetiva, é fato, e a impressão aqui exposta é generalizada.
Esse processo não vem de hoje. Se inicia no período FHC e é caracterizado pelo critério de escolha por “prêmio a serviços prestados” ou “enquadramento ideológico”. Não há mérito, muito menos notório saber. E pouco importa o valor individual do membro em causa. Objetivamente, o resultado é catastrófico e vem provocando danos repetidamente à segurança jurídica da República.
Entidades como OAB e MP seguiram o mesmo processo, de degradação de qualidade dos quadros. O ambiente é notoriamente decadente. Não à toa, o vínculo de solidariedade, hoje, se faz pela mediocridade. E nem é preciso enumerar os demais corpos intermediários atacados pelo mal da bajulação interesseira. Nesse sentido, a República se esvai no esgoto da história.
De fato, o populismo instalado no Brasil no início deste século, tem papel relevante nesse processo de degradação.
O populismo se instala no cotidiano das pessoas a partir da interferência que exerce na máquina da Justiça. O nazismo, o stalinismo, o getulismo, assim o demonstram.
No Brasil deste século, a máquina populista estimulou, aparelhou e passou a ditar a judicialização da política nacional – e a judicialização não se deu no intuito de reforçar o Estado de Direito mas, sim, de relativizá-lo de todas as formas – da quebra dos costumes e dos valores morais á ruptura das prerrogativas parlamentares.
A coerção absoluta sobre processos políticos, de expressão e de informação – configura um desastre com ares jurisprudenciais, ditado sob a égide da “defesa da democracia”.
Foi em meio a esse degringolar de valores que sofremos com a mais polarizada e turbulenta campanha eleitoral dos últimos trinta anos (desde a campanha que resultou na eleição de Collor de Melo, em 1989). Um embate entre líderes populistas que não hesitaram, por nenhum momento, em por em cheque a validade das instituições ou manipulá-las, visando obter alguma vantagem estratégica.
Esse embate está agora refletido integralmente numa instituição cujos ocupantes deveriam ter buscado permanecer equidistantes e neutros: o Poder Judiciário. Não por outro motivo, a polarização entronizada no órgão de tutela explode com reflexos nos processos da Lava Jato, no Impeachment de Dilma, no combate à pandemia, nos atos populares de 2013 até agora, na campanha de “fakenews” e nas mobilizações denominadas “antidemocráticas”… todas devidamente judicializadas.
OS IDOS DE 8 DE JANEIRO
A desconfiança sobre a validade das urnas eletrônicas – cujo debate foi pessimamente conduzido pelo estamento judiciário, na base da “carteirada”, confundiu-se deliberadamente com as idas e vindas do Presidente Bolsonaro, ameaçando deliberadamente incluir a contestação material ao resultado eleitoral dentro das “quatro linhas da constituição”. O tumulto acendeu o sinal de alerta em todas as instituições, aparelhadas ou não, recrudescendo a radicalização posta no cenário nacional.
A parca diferença de votos entre as chapas – somada à formação de uma bancada parlamentar incompatível com o perfil ideológico do presidente eleito, resultou no acesso de multidões de inconformados às portas dos quartéis, em protestos pacíficos e, no dia 8 de janeiro de 2023, à pantomima até agora não investigada, de invasões e dano a patrimônio público nos palácios da Praça dos Três Poderes.
No 8 de janeiro de 23, não houve mortes ou feridos graves, não ocorreram tiros, não houve quartelada, movimentação de facções armadas ou tropas, discursos em rede nacional ou apresentação de grupo organizado pretendendo tomar o poder. Em verdade, não houve nada além de um lamentável e pouco explicado “quebra-quebra!
O que ocorreu – e ainda há muita dúvida sobre o ocorrido, foi um tumulto de multidões danificando propriedade material pública, sob olhares complacentes ou parca resistência das autoridades federais encarregadas, em primeira e última instância, da defesa dos próprios bens atingidos.
Isso ficará para a história. Um desarranjo institucional proveniente da reação popular face à péssima condução do processo eleitoral por um judiciário “engajado”, que resolveu agir na base da “carteirada”, e que desembocou no cenário lamentável de depredação ocorrido em Brasília, no início da nova gestão de Lula.
A ocorrência teve origem no extravazamento público de uma multidão inconformada com um resultado eleitoral questionado no âmbito do próprio governo, e abandonada à própria sorte. No entanto, a ocasião serviu como gatilho para radicais interessados em desmobilizar o movimento, criminalizando-o.
A estratégia do “Flautista de Hamelin”, aplicada na ocorrência, é conhecida da inteligência de estado. Faz parte da história da tragédia populista em todo o mundo… e não é novidade no Brasil.
O remédio, no entanto, que seria o de punição por danos a uma massa de exaltados, transformou-se no veneno da conspiração teorizada, visando dar aos tiranetes de plantão um motivo “justo” para exercerem sua tirania: avançar sobre o sistema democrático e conferir viés às instituições que garantem a soberania popular, para assim tutelá-la.
Mas… sigamos adiante.
FALTAM ESTADISTAS, SOBRAM BOÇAIS
O “8 de janeiro” foi apropriado pelo governo petista e sua rede de comunicação engajada, para legitimar um processo de repressão arbitrária, visando tirar proveito do caos.
A verdade, porém, sempre reina absoluta. Aos poucos os fatos desnudam a arapuca e revelam o verdadeiro golpismo contra o pluralismo democrático.
A verborragia lamentável que se seguiu, típica de uma mídia reduzida à organismo excretor do establishment, somado ao proselitismo óbvio dos seguimentos interessados no tumulto, formou o pretexto ideal para que se “criminalizasse” a postura de milhares de cidadãos acampados na frente dos quartéis, os quais foram pacificamente embarcados em ônibus e… à revelia e sem qualquer aviso, aprisionados em campos de concentração improvisados pela polícia federal – e com apoio vergonhoso dos estamentos militares.
Tivéssemos no cenário nacional, homens da estatura de um Artur Bernardes, um Juscelino Kubtischek ou Michel Temer… e o assunto teria sido resolvido com um apaziguamento de ânimos, uma anistia ou um perdão, com perfeita condução do processo político pelas representações parlamentares. Esses líderes enfrentaram, de fato, golpistas de farda, toga, camisetas e gravatas… e mantiveram de pé a República.
Porém, o que temos hoje… são tipos lamentáveis que parasitam a República. E o resultado… é uma sucessão de crimes, a título de reprimir outros crimes.
A desproporcionalidade no julgar e decidir – face aos fatos e às provas, é flagrante – e o volume de silogismos e adjetivações contidos em cada sentença expõe uma ação opressora sobre inocentes, a título de “conter” uma escalada de conflitos que, na verdade, irá atingir os próprios sentenciantes (que se prestaram a ser também investigadores e acusadores).
A história é e será implacável com os que hoje usam viés como pretexto para perseguir, atormentar e aprisionar civis tecnicamente indefesos. Vomitam sobre a república conceitos mal digeridos de democracia e justiça.
MEIOS CORROMPEM OS FINS
Esse “fechar o cerco” em torno da livre manifestação, no Brasil, integra um processo cronológico.
Em maio de 2020, o Ministro Alexandre de Morais emitiu dezenas de mandados de prisão contra blogueiros e jornalistas, sob o pretexto de estar combatendo “fake news” e protegendo a integridade da própria suprema corte. As ordens foram emitidas nos autos de “inquéritos” teratológicos, tanto que apelidados de “fim do mundo”.
As medidas foram duramente atacadas pelo Ministério Público Federal, que alertou para o flagrante atentado à liberdade de expressão nas redes sociais. Segundo o então Procurador Geral da República, Augusto Aras, o conteúdo publicado pelos investigados era “incisivo”, mas não se confundia com “prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF”.
“Em realidade, representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão”, disse o procurador-geral, que citou diversas manifestações de ministros do próprio STF sobre liberdade de expressão.
Começou ali, em 2020, a sucessão de atitudes procedimentais abusivas contra o sagrado direito humano à livre manifestação e à manutenção da própria identidade civil – que se expressa hoje também nas redes sociais e canais de intercomunicação no ciberespaço. Afinal, ao determinar banimento de perfis e proibição de permanência em redes sociais, o STF passou a literalmente ASSASSINAR a expressão viva do indivíduo nas redes virtuais, impedindo não apenas que este se expresse como, também, que interaja e conviva em sociedade.
Críticas, versões, maledicências, mentiras e calúnias, ocorrem em qualquer comunidade plural. Combater o fenômeno por meio de repressão judiciária generalizada a quem troca mensagens em rede social é algo como se o Estado passasse a ter lugar na mesa de jantar ou na sala de estar do cidadão – uma forma patética de querer transformar o curso dos fatos por meio da caneta. Um atestado de ignorância e autoritarismo.
Banir pessoas do convívio em rede social, equivale a extirpá-las da sociedade moderna; condená-las ao ostracismo. Isso é tão perverso quanto era a pena de banimento, degredo e exílio, nos idos tempos do antigo regime colonial.
No entanto, a ação do Ministério Público, do Congresso Nacional e da mídia social esmagada pela perseguição nada adiantou. Há hoje claro encastelamento do establishment, atrás da toga engajada da atual judicatura dos tri unais superiores em Brasília.
O processo de repressão sistemática por meios pretensamente legais, vai se somando até pôr de joelhos o sistema institucional de proteção à cidadania. Esse parece ser o objetivo.
Como nenhum regime sobrevive pendurado numa toga e contando com comandos ocasionais na força militar… têm-se que o que presenciamos não é uma “ação” e, sim, uma “reação” de um estamento conscienye de sua impopularidade e ilegitimidade de propósitos.
O que há… é uma “jurisprudência do medo”.
Assim, o foco de todo o contexto sempre foi matar a VERDADE a pretexto de salvá-la. Jamais protegê-la.
O conflito, destarte, expõe crise institucional sem precedentes, que se estende e se agrava a cada dia.
Há nítida ausência de controle sobre o controlador. Uma falha constitucional que urge ser corrigida.
Esse é o estado da arte da crise em que o país está mergulhado. E a consequência lamentável é a desmoralização das instituições.
UM TRIBUNAL POPULAR PARA O 8 DE JANEIRO
O que hoje acompanhamos – não é um Tribunal de Nuremberg mas, sim, o “Tribunal Popular” de Roland Freisler baixando penas de 10 a 17 anos de reclusão a indivíduos tecnicamente mal defendidos… sem individuação de conduta, sob o pretexto de se tratar de “crime de multidão”.
“Crime de multidão”, porém, é um termo mencionado como “circunstância atenuante” no texto da lei penal em vigor.
Ou seja, para justificar a condenação, mesmo ante a insuficiência de provas, o tribunal empresta uma circunstâcia atenuante, isentando-se do trabalho de produzir justiça.
Não se trata, aqui, de adiantar juízo de valor sobre os objetos das investigações – ainda que notoriamente mal conduzidas. Se trata de apontar a absoluta incompatibilidade do procedimento adotado pelo STF com a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito.
E nem é o caso de fulanizar. A judicatura instalada no STF ratifica integralmente os graves procedimentos e agora é secundada por um Ministério da Justiça ideologicamente aparelhado – empenhado em ameaçar, agredir e intimidar opositores políticos do governo populista de Lula.
Assim, o conjunto da obra mostra clara intenção de intimidar multidões de eleitores contrários ao atual governo e, inibir manifestações civis absolutamente aceitáveis em qualquer sistema democrático – mesmo com quebrra-quebra (algo que já ocorreu tempos passados, inúmeras vezes, desde o império).
A péssima extração da atual judicatura suprema foi capaz, infelizmente, de criar confusão entre direito, pretexto, opinião, expressão, integridade, vaidade ferida, atentado à ordem constitucional, interesses ideológicos, difamação e calúnia.
Definitivamente, essa sucessão de imprecisões e teratologias procedimentais, posiciona a cúpula do Judiciário Nacional, com todas as venias, a serviço do mal… aplaudida por uma plateia de enlameados.
JUSTIÇA A SERVIÇO DA POLÍTICA
Freisler, o fanático juiz nazista, condenou mais de 5000 cidadãos alemães acusados de “conspirar” contra Hitler no atentado de 20 de Julho de 1944. Morreu bombardeado pelos aliados em plena atividade judicante-persecutória.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro, em pleno Século XXI, resolveu tomar ares de Tribunal Popular – de instância única, atraindo para si a competência de julgar cidadãos comuns acusados de integrar a multidão de centenas de milhares de pessoas que se encontravam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Ao contrário do caso sub judice de Freisler, não se tratou de um atentado a bomba ou assassinato. O 8 de Janeiro resultou num ato de protesto que desbordou (e esse é o termo), para invasões dos palácios sede dos poderes da república que se encontravam em recesso, desprovidos de qualquer autoridade que os representassem, resultando em danos ao patrimônio público.
Não houve “bomba”, não houve “tiroteio”, sequestro, nada… Mas o caso passou a ser tratado como tentativa de golpe de estado.
Tal qual o Tribunal Popular de Berlim, os magistrados tupiniquins se superam, nas sessões, em verborragias pesadas contra donas de casa, aposentados, pessoas humildes… que parecem ter cometido o pecado de se declararem “bolsonaristas” – e o bolsonarismo já foi usado como inimigo a ser derrotado em discurso para estudantes proferido por um dos próprios julgadores supremos…
O Deputado Carlos Marum, apreciando o desenrolar do primeiro julgamento, relata, com suas considerações, o debate ocorrido:
“Considerei o voto de Barroso o mais adequado no caso. Condena, reconhece a motivação política, não equiparando aquilo a uma simples baderna promovida por arruaceiros, mas entende que punir separadamente a “Tentativa de Golpe de Estado” e a “Tentativa de Abolição do Estado de Direito” se constituiria em uma dupla punição pelo mesmo ato delituoso. Então só pune uma vez por isto. Resultado: 10 anos de cadeia. Nem os 17 propostos por AM e nem os 2 sugerido por Nunes Marques. Se prevalecesse o pensamento de Barroso, considerada a Progressão das Penas, seriam cerca de 1 ano e meio em Regime realmente fechado. Muitos já cumpriram 8 meses e ficariam outro tanto. Estaria de bom tamanho…Alguns membros do Judiciário, especialmente da Suprema Corte, em nome da absoluta liberdade de interpretação, estão se travestindo em legisladores. Isto é um atentado a Segurança Jurídica. Cada um deve cumprir e ter consciência do seu papel. Quem legisla é o Congresso, cabendo ao Judiciário fazer cumprir estas leis. Já o Advogado que usa o tempo que lhe é concedido pelo seu cliente para defender seu pensamento político no lugar de exercer a sua defesa está também agindo fora do seu papel e também se constitui em um risco para o bom funcionamento do sistema jurídico.”
Não vejo luz nesse túnel. Está clara a obscuridade com que se processam os juízos no que parece ser um “Tribunal Popular” cujas condenações já foram decididas – só não se sabendo se serão distribuídas por atacado ou no varejo. O impressionante é se imputar tentativa de abolir o Estado de Direito ou tentar o Golpe de Estado… sem armas, sem uso de força de autoridade, sem comunicar o fato…
O CASO DO SENHOR AÉCIO
Mas, o caso tratado no primeiro dia de sessão é emblemático.
O impoluto, magistralmente togado e brilhoso conjunto judicante do STF tratou de julgar um senhor de 51 anos de idade, morador de Diadema, que foi até Brasília a convite de amigos que participavam de acampamentos diante de quartéis em São Paulo. O imputado fez uma doação de R$ 380 reais ao grupo “Patriotas” e, segundo seu depoimento, se deslocou à Esplanada dos Ministérios acreditando que a manifestação seria pacífica. No 8 de janeiro, compartilhou vídeos nas redes sociais entrando no Salão Negro do Congresso Nacional onde declarou:
“Amigos da Sabesp: quem não acreditou, estamos aqui. (…) Olha onde eu estou: na mesa do presidente. Vai dar certo, não desistam. Saiam às ruas”, afirmou na gravação, pouco antes de ter sido preso pela Polícia Legislativa nas dependências do Senado.
Sair às ruas em protesto é ato normal de manifestação em qualquer regime democrático. Jamais incitação à golpe de estado. Invadir a casa legislativa sem autorização pode ser um delito, mas não presume qualquer outro ato de violência.
No entanto, o senhor Aécio Lúcio Costa Pereira foi condenado pelo STF a uma pena de 17 anos de prisão, por supostamente cometer crimes de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e crime de dano qualificado”.
Pior ainda – a condenação parte do princípio de que não é necessário individuar a conduta do indigitado na “abolição violenta do Estado Democrático”, “golpe de estado” ou “crime de dano qualificado”, pois o caso se enquadraria no “crime de multidão” – fato que dispensaria a individuação da conduta do agente.
De fato, a decisão é criminosa.
Primeiro, porque não existe “crime de multidão”.
A circunstância está assim disposta no Código Penal:
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
II – o desconhecimento da lei;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.”
Com efeito, utilizaram uma atenuante como pretexto, para não se darem ao trabalho de individuar a conduta do agente, no intuito de agravar as circunstâncias do delito a ele imputado.
Chega a ser monstruoso o mecanismo de distorção utilizado e verbalizado no plenário do que deveria ser o mais importante Tribunal de Justiça do País.
Pior… se verificarmos todo o texto do artigo da lei… o acusado – pessoa simples e envolvida num momento de emoção, deveria ter sido beneficiado pela norma, jamais prejudicado pelo mau uso dela.
Estamos, assim, diante de um absurdo jurídico como poucas vezes visto no Brasil, que deveria provocar indignação em qualquer pessoa minimamente instruída em direito.
A LEI? ORA A LEI…
Mas o “Tribunal Popular”, capaz de tamanha ginástica para se esquivar do que não tratou de fazer – qual seja, apurar indivualmente a conduta dos imputados, para agir com a devida e proporcional justiça, se esforçou primeiro em se travestir como tal – uma instãncia política.
De fato, estivesse o acusado lotado no serviço de esgotamento sanitário do STF, ou sido preso nas dependências do Palácio da Justiça – talvez, excepcionalmente, poderia o Tribunal abrir inquérito e valer-se do foro próprio para julgar o cidadão.
No entanto, o caso do Senhor Aécio não se enquadra no caso. Assim, observa-se que a pantomima de 8 de janeiro é resguardada com uma decisão absurda de supressão de instância – assunção de foro absolutamente incompetente.
Na verdade, todos os acusados deveriam estar sendo julgados pela justiça federal de primeira instância, vez que não possuem prerrogativa pessoal de foro: tratam-se de cidadãos comuns. Nesse caso, o uso de instância única para julgamento em massa de implicados em uma manifestação popular com desdobramentos que se limitaram a danos materiais revela clara e evidente perseguição política a seguimento determinado, com evidente propósito intimidatório.
Sobre isso, o Estatuto de Roma, que delimita a competência do Tribunal Penal Internacional é claro.
“1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
2. Para efeitos do parágrafo 1o:
a) Por “ataque contra uma população civil” entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política.”
Com efeito, o STF está claramente distorcendo a hermenêutica e assumindo deliberadamente competência que não lhe pertence, como verdadeira “política de estado”, visando atacar segmento determinado da população, envolvida nos protestos contra o governo – denominados ideologicamente como “atos antidemocráticos” (termo antijurídico e não positivado).
Assim, desde a prisão por atacado, sem qualquer respaldo na legislação processual em vigor – visto que se tratavam de imputados em condição de primariedade, com domicílio, família e emprego, passando pelo inquérito baseado em fragmentos de filmagens sem qualquer individuação de conduta que sequer passasse perto do que se considera “ato anidemocrático”, por si só revela tratamento de Estado absolutamente desumano e tendente a causar sofrimento, atingir a saúde física e mental do seguimento apreendido em frente aos quartéis ou dentro do congresso nacional.
“GOLPE DE ESTADO” COM CELULAR E SELFIE
Mas a monstruosidade levada a cabo pelo “Tribunal Popular” de Brasília, não se esgota aí.
Rezam os artigos 359-L e 359-M do Código Penal:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência
Segundo os corajosos e impolutos julgadores… invadir o plenário e tirar selfie no Congresso Nacional – em período de recesso parlamentar, sem qualquer uso de arma ou violência produzida contra outrem, equivale a “impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais com emprego de violência ou grave ameaça”…
Pior ainda, os magnânimos debateram a fundo se o Senhor Aécio havia, com sua postagem aos colegas da SABESP, tentado “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”…
É notório! O acusado não portava armas, não praticou atos violentos tendentes a abolir o estado democrático. Segundo os próprios autos foi preso simplesmente por estar no plenário do Senado Federal no dia 8 de janeiro e confessado ter doado R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), para ajudar na viagem de algumss pessoas de São Paulo a Brasília.
O cidadão duramente apenado pelo “Triunal Popular”, ainda afirmou estar no acampamento em frente ao quartel, em Brasília, e que algumas lideranças do local coordenaram a caminhad da multidãoa em direção à Praça dos Três Poderes” – ou seja – descreveu uma circunstância atenuante.
Porém, os verdugos da República, togados e firmes no assombro do deslumbre de seus próprios protagonismos, tiveram a coragem de qualificar o fato como suficiente para provar a participação do reu na execução dos crimes a que foi condenado.
Não há nos autos do processo constatação de violência contra pessoas, ameaça a autoridade, apreensão de armas ou outros instrumentos hábeis à pratica dos crimes pelos quais o Senhor Aécio foi condenado.
Não fosse o Tribunal Popular armado dentro do STF… e qualquer magistrado digno da toga que usa reconheceria a impossibilidade material da prática delitiva imputada ao Senhor Aécio. E também reconheceria a total inviabilidade de execução de um “golpe de estado”, pelo indigitado réu.
No caso em tela, do Senhor Aécio, sequer consta nos autos a prática explícita de atos de vandalismo; ele apenas se encontrava no local onde tais atos foram praticados, produzindo uma postagem.
O componente central do time de verdugos do STF, parece ser o Ministro Alexandre de Morais, que levantou a tese do “crime de multidão, cuja autoria se dá pela coletividade. As condutas são da turba, um incitando o outro. São todos copartícipes do crime. Não há necessidade de detalhar minuciosamente as condutas de cada agente.”
Se o falecido Padre Quevedo estivesse vivo e no Plenário do Supremo, além de excomungar o brilhoso judicante, expressaria a famosa frase “¡eso no existe!”
A tese já foi espancada no início desse texto, mas é de admirar a capacidade de manipulação teórica visando objetivo totalmente distinto da produção da Justiça, envolvida no episódio.
O Juiz Freisler não necessitou fazer uso de tamanha ginástica mental – porque obteve confissões aos borbotões, mediante tortura executada nos porões da Gestapo.
Já, por aqui, parece que nossa polícia política – que é o que se está transformando a Polícia Federal a serviço do Chefe dos Inquéritos do STF, ainda não chegou a esse nível baixo de atuação, mas, o esforço, no conjunto da obra, revela claramente a abolição do Estado Democrático de Direito e a destruição “motivada politicamente”, dos mais comezinhos institutos de segurança e garantia do réu no processo penal, como a individualização das condutas, o respaldo em provas, o contraditório e a aplicação da letra fria da lei – não de teses tiradas do bolso por ocasião do julgamento.
A dosimetria da pena aplicada ao infeliz réu, revela a necessidade da “punição exemplar” – algo típico de países submetidos a regimes de exceção.
O garantismo penal – tão ao gosto da mesma turma de togados que julgou o senhor Aécio, e que alivia a barra de assassinos, traficantes, corruptos de carteirinha, ladrões e estupradores, sumiu subitamente do plenário do “Tribunal Popular”.
Condenar a 17 anos de prisão um cidadão, apenas por ter estado no local onde houve depredação de patrimônio público, equivale a aplicar uma pena equivalente pelo furto de um quilo de frango, numa invasão de supermercado – algo executado por movimentos sociais que já foram objeto de defesa de alguns dos lustrosos julgadores, quando ainda advogavam.
A PUNIÇÃO PELO PROCESSO
Chiovenda, o grande mestre, já alertava que o grande mal da burocracia judiciária desumana é, antes da sentença, punir o réu com o processo…
Essa situação doentia, típica dos regimes ditatoriais, já foi retratada por Kafka, Orwell, Vitor Hugo, Dumas e Guimarães Rosa. Foi razão de decidir em casos complexos em sistemas ocidentais, como a dos presos em Guantanamo, no EUA ou das delações premiadas nos processos da Lava Jato, no Brasil.
Porém, a pior extração da pior judicatura, instalada na Côrte suprema brasileira, é incapaz de aprender lições esteaídas de suas próprias decisões. Ao que tudo indica… o sodalício sofre com memória seletiva.
Assim é que há dezenas de casos de presos sem culpa formada ou que preenchem condições para ganhar liberdade provisória… submetidos à lentidão processual… ou pior… à falta de pronunciamento judicial sobre requerimentos das partes, incluso do próprio Ministério Público, mantidos em prisão e definhando sob tortura burocrática – muitas vezes estendida à família desamparada, fora da prisão.
A morte “anunciada” do senhor Cleriston Pereira da Cunha, que já se encontrava em lamentável estado de saúde mental e física, com pedido de soltura requerido pelo próprio Ministério Público… é outro caso grave, que implica em responsabilização da Côrte Judicante, a começar do Relator do processo…que sistematicamente tratou de se omitir em despachar os pedidos.
O prisioneiro, pleno de direitos, pai de família, trabalhador e sem antecedentes, morreu na Prisão da Papuda, na Capital Federal, doente, sob a tutela do governo e nas mãos de um judiciário ativista, desprovido de preceito, lotado de egos e vazio de senso de dever.
Diria Henry Ford, que se trata de típico traço do esquerdismo: pregar o amor ao povo sem sequer amar o próximo…
Homicídio executado com requintes de crueldade.
PERVERSIDADE PARANÓICA
As buscas e apreensões ordenadas pelo inquisidor-julgador, Min. Alexandre de Moraes, seja no inquérito e na relatoria dos processos relativos ao 8 de janeiro, seja no prolongado e difuso inquérito das “Fake News”, configuram um somatório de medidas que beiram a perversidade.
Suspensão de pensões, apreensão de poupanças (em prejuízo de filhos e parentes de investigados – estendendo a “punição pelo processo” à família destes), restrições torturantes impostas a idosos, pedidos reiterados de explicações (que sobrecarregam e oneram defensores e defendidos), ocorrem sob pretextos frágeis ou fundamentos obscuros, configurando um estado de perseguição política sistemática.
Ante o aumento de cidadãos que buscaram asilo ou refúgio fora do País, diante da perseguição judicializada, o supremo sodalício, na figura do relator-inquisidor-julgador, resolveu “inovar”. Recentemente, decretou-se a prisão preventiva do senhor Luís Carlos de Carvalho Fonseca, réu dos atos de 8/1, devido à fuga de outros condenados para o exterior. Na justificativa, o Ministro Moraes, relator do processo, determinou a prisão pelo “fundado receio de fuga do réu”, o qual, de fato, permanecia à disposição do juízo.
Prisão “por receio”, face à fuga de outros… segue procedimento próximo à condução de suspeitos e discidentes a campos de concentração, “por receio de fuga” ante a fuga de outros, do regime nazista, nos anos 1930.
UM CRIME CONTRA A HUMANIDADE
Por óbvio que não estamos diante da prática da Justiça e, sim, de uma ação deliberada de intimidação institucionalizada – um assédio protagonizado por elementos do Poder Judiciário contra a população civil, visando inibir manifestações de protesto contra o estado de coisas subvertido, instalado no País – punindo sistematicamente indivíduos notoriamente hiposuficientes – seja na capacidade de se defenderem juridicamente, seja na capacidade de ombrearem fatos que os excluam das imputações por conta de um entendimento abjeto de que “todos se envolveram num crime coletivo”…
Já o disse em outra ocasião, em artigo próprio, que o Tribunal da República passou a gerar uma Jurisprudência do Medo. Substitui a função de resolver conflitos para gerá-los. Destrói a governabilidade por meio de decisões reativas, desprovidas de boa técnica ou comezinha juridicidade, monocráticas ou extraídas de suas onze cabeças, tal qual a Hidra de Lerna.
Tal qual um monstrengo sem controle, o Supremo, com essa que é a primeira de uma série de decisões teratológicas, e com as mãos manchadas pelo descaso com a vida de quem estava sob sua custódia, confirma sua função de destruir a institucionalidade da República, intimidar cidadãos, silenciar opositores, subjugar os demais poderes e gerar transvalorações nocivas à segurança jurídica e à moral da sociedade.
O silêncio ensurdecedor de entidades como a OAB, o Ministério Público, as Forças Armadas, o Parlamento e a própria Magistratura, mostram o ninho de acovardados em que se transformou o País. Algo que particularmente me enoja e nos envergonha a todos.
Por óbvio que a jurisprudência do medo tem sua origem na luta dos estamentos bolivarianos contra o bolsonarismo. Já analisei esse fato em vezes anteriores. No entanto, o episódio do julgamento em foro privilegiado de cidadãos comuns identificados com o bolsonarismo revela algo pior que o já piorado estágio de crise em que estamos mergulhados. Implica na possibilidade de se enquadrar a atividade judicante do Supremo Tribunal Federal nos delitos estatuídos pelo Estatuto de Roma, submetidos ao Tribunal Penal Internacional.
Com efeito, entende o artigo 7º – 1 da Carta Internacional ser “crime contra a humanidade”, qualquer ato cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, e conhecido, contra qualquer população civil, em especial:
“e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.”
E o Estatuto do Tribunal Penal Internacional vai mais além quando classifica que:
“a) Por “ataque contra uma população civil” entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
g) Por “perseguição” entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa.”
Temos, assim, que para se caracterizar um crime contra a humanidade não é necessário nexo com um conflito armado, motivo discriminatório como condição para sua caracterização (exceto no caso do crime de perseguição), um ataque generalizado e sistemático ou um elemento anímico – de “alma”. Pelo contrário, há exclusão do requisito da existência de um conflito armado para a caracterização de um crime contra a humanidade.
Essa desmistificação do que se estabelece como crime contra a humanidade permite maior efetividade do TPI em resposta às atrocidades cometidas por governos e organismos específicos (pois não é necessário que a organização imputada dirija o país), contra suas próprias populações.
Com efeito, a “luta” dos julgadores supremos, notoriamente, se dá contra os “bolsonaristas” – tidos pelos judicantes como “antidemocráticos”, de tal forma que jornalistas, oponentes, militantes, membros de corpos funcionais ou cidadãos comuns, identificados com os protestos bolsonaristas de antes e depois das eleições, direta ou indiretamente identificados com as manifestações de 8 de janeiro de 2023 ou, ainda, que tenham expressado opiniões atinentes a usar a constituição para “por ordem na casa”, em desacordo com a linha ideológica proclamada como “democrática” pela corte ou seus pares instalados no governo de esquerda – todos esses, tornaram-se “inimigos de estado”, integrantes do “delito de multidão”, autores de “atos antidemocráticos”, etc.
Sem culpa formada ou mesmo conclusão processual, o banimento da vida física de alguns… e de centenas de vidas virtuais, se processa em ritmo digno do regime stalinista.
Se ISSO não é atividade enquadrada perfeitamente nos moldes postos pelo Estatuto de Roma e… se o que foi perpetrado contra o humilde senhor Aécio, ou o assassinato “por omissão” do senhor Cleriston, por decisão do STF, não confirma o enquadramento, então não há mesmo porque estarmos vinculados ao tratado sancionado pelo Decreto 4.388 de 2002 – ratificador do Tribunal Penal Internacional.
Assim, julgo, com todos os senões possíveis, que nosso Supremo Tribunal está a caminho de poder sofrer representação junto ao TPI, por não estar se dedicando a praticar a Justiça e, sim, a perseguir cidadãos desafetos e cassar-lhes direitos.
Obs: texto acrescido em 21Nov2023.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e foi Consultor do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 19/09/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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