Por Paulo de Bessa Antunes*
Estamos em meio à 26ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Decreto nº 2.652, de 1º de julho de 1998), que foi adotada em 1992, no Rio de Janeiro, ou seja, há quase 30 anos. O conjunto normativo [1] produzido internacionalmente tem conseguido desempenhar o papel que a sociedade global espera dele?
A convenção, em seu artigo 2, tem por objetivo final alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Vários compromissos para todas as partes e, considerando o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, foram determinados compromissos específicos para as nações desenvolvidas. Os países signatários comprometeram-se a elaborar uma estratégia global “para proteger o sistema climático para gerações presentes e futuras” [2]. Em 1997, foi adotado o Protocolo de Kyoto, estabelecendo metas obrigatórias para os países desenvolvidos, de redução de 5% de suas emissões e gases de efeito estufa (GEE) [3]. O Protocolo de Kyoto, em vigor em a partir de 2005, foi um grande fracasso, pois houve muita resistência dos países desenvolvidos em cumprirem as suas metas. O Brasil não possuía metas de redução, pois não estava incluído anexo, dada à sua condição de país em desenvolvimento.
Em 2015 foi firmado o Acordo de Paris (Decreto nº 9.073, de 5 de junho de 2017), que estipula metas voluntárias de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) por parte dos signatários e, mesmo assim, não se tem observado mudanças positivas na matéria.
A primeira COP foi realizada em Berlim, em 1995; naquele ano, o volume total de emissão de GEE pelo setor energético, de 1990 até 2021, variou de pouco mais de 20 GtCO2, até um volume projetado de 31 GtCO2 [4]. Ou seja, os acordos globais em relação às necessidades de mudança da matriz energética falharam, pois as emissões praticamente dobraram no período. Ressalte-se que, em 2020, as emissões foram reduzidas em cerca de 5,8% em razão da pandemia da Covid-19 e da consequente redução das atividades industriais. Segundo a Agência Internacional de Energia, essa foi a maior redução de emissões desde a crise financeira de 2008. Apesar disso, o volume de GEE na atmosfera é o dobro do existente no início da revolução industrial. A retomada do crescimento econômico, pós-pandemia, deve implicar em um aumento de 4,8% de aumento na demanda de carvão, óleo e gás.
O Brasil é um dos grandes emissores de GEE na atualidade, tendo emitido 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e), em 2020. No ano anterior, a quantidade de emissões chegou a 1,97 bilhão de tonelada, sendo o maior volume desde 2006. Na Amazônia, foram emitidas 782 toneladas de CO2. Com esse volume, a floresta se torna uma das maiores fontes de emissão do planeta. No cerrado, foram 113 milhões de toneladas de CO2. Se os dois biomas juntos formassem um país, seria o oitavo maior emissor de GEE do mundo [5]. Atualmente, o Brasil só é superado por China, Estados Unidos, Rússia e Índia. A média mundial de emissões foi de 6,7 toneladas brutas, enquanto a do Brasil foi de 10,2 toneladas.
É importante lembrar que o Brasil possui uma Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009), que, em tese, tem por objetivo reduzir as emissões de GEE. Em 2020, a emissão de GEE no Brasil foi a maior desde o ano de 2006.
É curioso observar que, em 2020, muito embora as emissões mundiais de GEE tenham diminuído, no Brasil elas aumentaram em relação ao ano de 2019, em função de desmatamento principalmente [6]. Acrescente-se que as emissões oriundas do setor de energia diminuíram 4,5% em 2020. Contudo, o aumento do desmatamento das florestas e das emissões provocadas pela agropecuária anularam os efeitos da redução na indústria.
A emissão de GEE no Brasil, portanto, pode ser fortemente reduzida, colocando o Brasil em importante posição de liderança na questão, desde que combata efetivamente o desmatamento. Veja-se que a Amazônia é, no momento emissora de GEE, assim como diversas outras florestas que estão sendo desmatadas pelo mundo afora. A Amazônia concentra sete dos dez maiores emissores de GEE do Brasil, sendo o maior emissor o município de São Félix do Xingu (PA). “Em 2018, foram 29,7 milhões de toneladas brutas de CO2e. Desse total, informa o Observatório do Clima, ‘mudanças de uso da terra, em sua maior parte provenientes do desmatamento, respondem por 25,44 milhões de toneladas; seguida pela agropecuária, com 4,22 milhões de toneladas de CO2e, emitidas principalmente pela digestão do rebanho bovino”‘. [7]
Há vários projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional cuja principal característica é a modificação da legislação ambiental com vistas a diminuir o padrão de proteção atualmente vigente. A meta que o Brasil acena em assumir, em Glasgow, de desmatamento ilegal zero em 2030 é, diante da tramitação legislativa, falaciosa, pois, com a legalização do que hoje é ilegal, haverá aumento de desmatamento legal.
É evidente que medidas de transição energética para uma matriz mais limpa, redução de lixões e outras são importantíssimas e devem ser perseguidas pela sociedade brasileira, pelo governo federal e pelos subnacionais. Entretanto, nenhuma delas terá o efeito que o combate firme ao desmatamento terá. Por outro lado, impedir o desmatamento é a medida mais barata a ser tomada, pois há meios disponíveis.
A convenção prometeu muito e entregou pouco, o Protocolo de Kyoto naufragou, o Acordo de Paris é uma promessa ainda longe de ser cumprida. As COPs se sucedem e pouco produzem de útil. A sociedade civil internacional precisa permanecer firme no sentido de cobrar dos Estados que assumam os seus compromissos, pois os dados das emissões de GEE demonstram aumento constante, salvo em momentos de graves crises. As consequências são cada vez mais visíveis e negativas. No litoral brasileiro já são necessárias obras de contenção do mar, em função de construções feitas sem consideração das mudanças climáticas [8], as consequências de cheias, secas e outros fenômenos naturais são cada vez mais graves.
A hora de agir já passou.
[1] Disponível em < https://unfccc.int/ > acesso em 06/11/2021.
[2] Disponível em < https://antigo.mma.gov.br/component/k2/item/15142-contribui%C3%A7%C3%B5es-para-o-documento-base.html > acesso em 06/11/2021.
[3] Os gases de efeito estufa que são considerados no Protocolo são o dióxido de
carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6) e asfamílias dos perfluorcarbonos (compostos completamente fluorados, em especial
perfluormetano CF4 e perfluoretano C2F6) e hidrofluorcarbonos (HFCs).
[4] Disponível em < https://www.iea.org/reports/global-energy-review-2021/co2-emissions > acesso em 06/11/2021.
[5] Disponível em < https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/10/4959051-na-contramao-do-mundo-brasil-polui-mais-e-numeros-nao-mentem.html > acesso em 06/11/2021.
[6] Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59138347 > acesso em 06/11/2021.
[7] Disponível em < https://www.brasildefato.com.br/2021/03/04/amazonia-concentra-7-dos-10-municipios-que-mais-emitem-carbono-no-pais-veja-o-mapa > acesso em 06/11/2021.
[8] Disponível em < https://oglobo.globo.com/brasil/obras-reinventam-orlas-tentam-salvar-praias-ameacadas-por-urbanizacao-mudancas-climaticas-no-brasil-25258856 > acesso em 06/11/2021.
*Paulo de Bessa Antunes é sócio de Campos Mello Advogados, professor da UNIRIO, presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros, presidente da UBAA e membro da Comissão Mundial de Direito Ambiental da IUCN.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 23/11/2021
Edição: Ana Alves Alencar
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