Por Nelson Araújo Filho*
Falei sobre esse Natal há muitos anos para um público bem menor. O cenário do Blog do Alex é outro. Fico à vontade para relembrar outra vez. Gosto da história. Viagens também gostam de histórias. E eu costumava viajar muito. Foi no Natal de 2003. Havia descoberto a Serra da Canastra, no Sul de Minas, um vale elevado, alongado de leste ao oeste, suas mesas, encostas e ravinas cheias de trilhas off road. Um verdadeiro paraíso! Eu era entusiasta bem além do apaixonado. Combinei com a família um Natal diferente. Iria ser em uma pousada isolada e muito atraente nas promessas de conforto e aventura.
Experiência é chave do sucesso. Mas não se compra. Tenho certeza que ainda vou escrever outras histórias que vivi por causa da falta de experiência. Todas bem complicadas. A desse Natal, sequer foi a primeira.
O fato é que não tinha experiência com a Serra da Canastra. Vai daí que, no meu planejamento, a partir do ponto embaixo da serra mais próximo para chegar na pousada de aventuras, calculei uma distância de uns 40 km de chão. Logo descobri que o mapa era impreciso e não mostrava as subidas e nem os recortes da serra. Comecei a jornada lá pelas 16 horas, tranquilo da vida. Sorrindo para ela e ela para mim. Véspera de Natal, de férias, mulher e filhos, carro equipado, rebocando um quadriciclo. Só que não durou muito. A estrada era muito ruim. Mas trilheiro gosta de lama, buraco e poeira. Velocidade é o de menos. Logo que anoiteceu, a chuva, até então tocaiada, começou seu assédio. O GPS só mostrava o rastro de zig-zag. Nenhuma aproximação significativa com o destino. Em torno das 20 horas, a chuva se derramou com vontade. Não demorou e percebi que rodava sobre um calçamento. Pelos clarões dei-me conta do abismo insondável ao meu lado. Buraco fundo que relâmpago nenhum alcançava. Até para um inexperiente ficou claro que se tratava de um trecho perigoso. Segurei firme o volante para o medo não me carregar. Fingi para a mulher e ri para os guris. Apavorado, reduzi ainda mais a velocidade até avistar um terraço de terreno, para onde joguei o carro e fiquei aguardando o fim do temporal. Quando a chuva diminuiu, constatei que estava na borda de um vale, tinha uma placa, vão da Babilônia.
Nome esquisito. Não fazia ideia. Mas se era o caminho, segui por ele. Depois de um tempo, que pareceu extremamente longo, avistei uma fresta de luz denunciando uma casa. A chuva havia parado.
Bati à porta, na esperança de me encontrar. Já eram 21 horas e no GPS só rodeios. Já tinha perdido a chance de chegar na pousada da ceia prometida. As informações foram curtas. Sim, eu estava longe do destino e não deveria tentar, de jeito algum, subir a Serra Branca, ali adiante, no final do vão, com a noite e com chuva. Não, não havia hospedagem próxima, mas a Vanda, moradora da derradeira casa do vão, poderia ajudar. A viagem amargara de vez. Os imprevistos e os medos tinham mudado tudo. Em desânimo montei de volta no carro em busca da Vanda. Pouco rodei e já dei de cara com uma pequena igreja, dessas que são comuns em fazendas. Chamou minha atenção o fato de estar iluminada. Resolvi tentar mais algumas informações. Chegando à porta, vi as pessoas, umas vinte, iniciando a celebração do Natal. Peguei-me dizendo a eles que gostaria de participar. Vinha de viagem. Minha família estava no carro. Se eles nos permitiriam. Vieram ao meu encontro e juntos fomos até o carro. Expliquei para minha mulher o que havia visto e decidido. Nem ela ou as crianças hesitaram. Em meio a sorrisos e abraços, com o povo da igreja, fomos para o Natal que eles iniciavam. Alguém tinha um violão. Uma moça cantava. Entre os hinos, eles se revezavam na leitura da palavra. Reparei nas roupas, bem sovadas, bem limpas, bem passadas para a ocasião. Lembrei então que viajantes se reuniram no nascimento de Jesus. Eu já havia começado a chorar. Minha mulher também. Celebramos aquele Natal, sem ceia, sem presentes, sem roupa limpa. Foi o mais especial de todos. Fomos acolhidos pelas pessoas na igrejinha. Fomos também acolhidos pela Vanda, da derradeira casa do vão, que apesar da hora, nos abrigou, alimentou e livrou da Serra Branca e seus perigos, enquanto aguardava seu noivo que vinha de Passos. Choveu na madrugada de natal.
No relato de hoje quero ficar apenas naquele Natal e suas circunstâncias. A parte das trilhas e da Serra Branca, outras mais, vai ser para depois. O Natal de Jesus é de encontros. De fé e boas escolhas. Tenho certeza que Deus comandou meu destino naquela noite de feliz Natal!
*Nelson Araújo Filho – advogado, poeta, escritor e presidente do Instituto Agwa
Fonte: Blog do Alex Fraga
Publicação Ambiente Legal, 21/12/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.