Por Simone Silva Jardim
O carioca Alberto Ninio vem realizando um trabalho de destaque no Banco Mundial. Em 1993, o advogado começou sua carreira na instituição, egresso do Environmental Law Institute, de Washington, com o desafio de inaugurar a Unidade de Direito Ambiental do banco. Dois anos mais tarde, galgou posições ainda mais importantes na organização: a de advogado das Divisões da América Latina e da África e também Secretário-Adjunto do Painel de Inspeção do banco. Recentemente o brasileiro foi promovido ao cargo de Advogado Líder para Direito Ambiental e Direito Internacional, sendo responsável pelo cumprimento das diretrizes ambientais e sociais do Banco Mundial em escala global.
Hoje, sua principal missão é dar aconselhamento ambiental em países como Brasil, Moçambique, Serra Leoa, África do Sul, Índia, China, Honduras, Guiana e Argentina. Ninio é casado, tem dois filhos e mora com a família em Washington. Nesta entrevista exclusiva à Ambiente Legal, o brasileiro que não esconde o seu maior sonho – o de transformar as ilusões que tinha aos 25 anos em algo concreto e útil para os países em desenvolvimento, agora que tem 41 – fala de suas preocupações como “cidadão planetário”.
Revista Ambiente Legal – Na sua opinião, qual tema da área ambiental merece uma atenção maior por parte dos governos, da mídia e de cada habitante deste planeta?
Alberto Ninio – Diria que as mudanças climáticas é o que mais preocupa, ou deveria nos preocupar. Em todos os outros setores, a exemplo da desertificação do solo, armas químicas, contaminação atmosférica, extinção de espécies da fauna e da flora, consumismo, uso de combustíveis fósseis etc., o impacto ambiental é mais aparente e imediato. Com as mudanças climáticas é diferente. A poluição que se produz em um país pode perfeitamente se fazer sentir em outro, e muito tempo depois. O direito tem bons princípios para resolver o problema, como o da precaução, por meio do qual a conduta preventiva precede toda a ação, mas ainda se faz necessária a formulação de respostas mais detalhadas, precisas e, sobretudo, de resultado imediato e eficaz. No que se refere às mudanças climáticas, entendo que a situação seria melhor gerenciada se houvesse o acolhimento e aprimoramento do arcabouço jurídico internacional para o tema.
Revista Ambiente Legal –Como o senhor avalia a relação meio ambiente, pobreza e globalização? Quais os riscos desse tripé dentro de uma ma-crovisão? E no caso de países emergentes, como o Brasil, e de nações muito pobres da África, qual o cenário?
Alberto Ninio –Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, que esses assuntos têm sido alvo de grande preocupação. Embora seja evidente que a prioridade das políticas dos países mais pobres acabe, na prática, com o descarte do viés ambiental, essa conduta só comprova que são justamente estes países que são mais dependentes dos recursos naturais. Vejo o investimento na questão ambiental como algo que gera grandes dividendos para aqueles que assim o fazem. Cito como exemplo um dos maiores poluidores do planeta, os Estados Unidos da América, que nos últimos 20 anos têm feito grandes progressos em reverter o dano ambiental em seu território. Países mais desenvolvidos devem auxiliar os mais pobres a melhor proteger o meio ambiente com transferência de tecnologia e recursos financeiros para a promoção do desenvolvimento de suas economias e para que, acima de tudo, seja provocada uma mudança nas prioridades destes países.
Revista Ambiente Legal – Nas questões ambientais e de pobreza, o que Brasil e África têm em comum?
Alberto Ninio – Trabalho com a África há cinco anos e a todo momento eu me surpreendo com as semelhanças que encontro com nosso país. Deixando de lado as questões culturais, coloniais em sua origem ou não, há vários pontos em comum quando o assunto é meio ambiente. Problemas como desmatamento, desertificação e contaminação dos recursos hídricos, apenas três exemplos de magnitude, precisam ser adequadamente enfrentados no Brasil e na África. Apesar disso, existem gritantes diferenças entre as duas regiões. Alguns números são reveladores: com apenas 10% da população mundial, a África apresenta 24% do total de soropositivos. Cinco anos atrás, 1 milhão de pessoas morreu de malária. Outros 80% dos africanos dependem diretamente da biomassa ou carvão vegetal para cozinhar ou espantar insetos. Nesse contexto, em 2000, 730.000 crianças abaixo de cinco anos de idade foram mortas por causa de doenças respiratórias ocasionadas por poluição no ambiente em que vivem. O mau gerenciamento dos recursos naturais não é o único responsável pelas mazelas do continente. Ainda em 2000, mais de 24 milhões de africanos tiveram suas vidas afetadas por desastres naturais, como secas, enchentes e ventos fortes. O que África e Brasil têm em comum, entre outras coisas, são esses “bolsões” de extrema pobreza.
Revista Ambiente Legal – Qual o papel de instituições como o Banco Mundial em cenários como este que o senhor acaba de traçar?
Alberto Ninio – Nos últimos anos, as organizações internacionais têm feito um enorme esforço para harmonizar seus procedimentos e fazer com que a ajuda financeira flua com mais rapidez onde ela é necessária. Muito já foi conquistado, mas temos que trabalhar ainda mais. Questões importantes como o combate à corrupção, o reconhecimento do papel da mulher no desenvolvimento e a existência de um Judiciário mais ágil, são alguns pontos do que ainda há por fazer.
Revista Ambiente Legal – De sua perspectiva privilegiada, quais desafios a globalização impõe ao trato das questões ambientais? Ela é um fator facilitador ou impeditivo do tripé do desenvolvimento sustentável, baseado na realização da justiça social e do equilíbrio ecológico com a viabilidade econômica?
Alberto Ninio – Estas são questões complexas, mas vamos lá. Com relação à globalização, trata-se de um processo sem volta. A globalização tem um enorme potencial para facilitar a comunicação e a disseminação de conhecimentos importantes sobre o uso dos recursos do planeta. Mas como toda mudança de paradigma, esta também precisa ser gerenciada com cuidado. Por exemplo: é evidente que países como Polônia e Gana estão em estágios diferentes de desenvolvimento, sendo necessária uma velocidade diferente de absorção para cada uma das reformas impostas pela globalização. Nesse quadro, a obtenção de recursos estrangeiros deve ser estimulada apenas se a entrada desse capital for importante para desenvolver o país. E o empresário ou organização internacional responsável por projetos de investimento tem tripla responsabilidade: perante a sociedade local, seus acionistas e a comunidade internacional. Finalmente, vejo o mercado de carbono como uma das alternativas para o desenvolvimento sustentável, mas não é a única. Principalmente nos Estados Unidos e Europa, esse mercado terá limites e, mais cedo ou mais tarde, a redução de emissões deverá ser encarada de frente. O mesmo com relação à troca de dívida por preservação de florestas tropicais. Pode ser estimulada, mas aqui também haverá limites. Os países devem preservar independentemente do estimulo à redução de sua dívida externa. Os dividendos ambientais serão ainda maiores sem as amarras de tal mecanismo.
Revista Ambiente Legal – Como o senhor avalia o trato das questões ambientais no Brasil?
Alberto Ninio – A evolução da proteção ambiental no Brasil tem sido formidável. Entendo que o momento atual é para consolidarmos conquistas e instrumentos importantes dos últimos 30 anos e aprimorar o arcabouço legal e institucional que temos. Por exemplo: seria interessantíssimo aproveitarmos o 25º aniversário da Lei de Politica Nacional do Meio Ambiente para repensarmos para onde queremos ir nesta área estratégica para a concretização dos princípios e diretrizes do desenvolvimento sustentável nos próximos anos.
Revista Ambiente Legal – O posicionamento e argumentos usados por governos, sociedade civil organizada, empresas, instituições financeiras, academia etc., muitas vezes são divergentes quanto ao melhor encaminhamento das questões socioambientais. O que fazer com esse “ruído” no diálogo?
Alberto Ninio – Sou da opinião que os argumentos utilizados pelos respectivos setores devem ser respeitados. O que não pode ocorrer é nos fecharmos para o diálogo. Deveríamos procurar levar o debate ambiental para as ruas e solicitar a participação da sociedade nos rumos de uma renovada política ambiental em todos os cantos do planeta. Ainda hoje, percebo um vago interesse quando pergunto ao cidadão comum sobre questões pertinentes ao meio ambiente. Mas quando conversamos sobre a falta de esgoto tratado, doenças respiratórias, preço do petróleo etc., a atenção aumenta. É importante promover e sempre assegurar o diálogo, mas segundo um formato adequado para a audiência-alvo para evitar, ao máximo, ruídos nessa comunicação.
Revista Ambiente Legal – O que o senhor recomenda ler para aprimorar o olhar, a reflexão, a forma de agir no espaço social?
Alberto Ninio – O trabalho de Robert Wright, O Animal Moral, livro já traduzido para o português, trata da evolução sócio-biologica do homem e é impressionante. Thomas Friedman, com suas várias obras sobre o tema globa-lização, é sempre interessante de ler. Entre os autores brasileiros, gosto especialmente dos escritos de Lya Luft e dos policiais de Rubem Fonseca. Gosto de ter uma leitura sempre variada.
Entrevista realizada para o Boletim Ambiente Legal n. 3
(https://www.ambientelegal.com.br/online/boletim-03/)
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