Filósofo francês Edgar Morin, 91 anos, analisa a Rio+20 e o desenvolvimento
Por Danielle Denny e Helena Charro
Acarta de intenções da Rio+20 pode ter sido considerada inócua por alguns críticos, mas promoveu mobilização e visibilidade mundial. “Há sementeiras distribuídas nas várias esferas sociais sobre a importância de consciência mundial para um desenvolvimento sustentável”, disse o pensador e filósofo francês Edgar Morin, 91 anos, um desses protagonistas da história que leva suas reflexões para diversos pontos do globo, para entornar mais adubo nessas tais “sementeiras de consciência”.
Morin, com mais de 30 livros publicados, entre eles “O Método” (seis volumes), “Cabeça Bem Feita” e “O Enigma do Homem”, veio ao Brasil para participar da Rio+20, e, em seguida, aceitou o convite do SESC para vir a São Paulo, proferir palestra sobre a necessidade de uma consciência mundial para o desenvolvimento do século 21. Defendeu posições radicais como a liberalização das drogas para retirar o poder dos traficantes e a substituição da democracia parlamentar e da economia de mercado que fizeram da história um sinônimo de guerras.
A importância teórica de Morin está ligada ao pensamento complexo, que nega a linearidade do pensamento e a especialização dos saberes, defendendo a feitura de conexões permanentes entre o contexto e as partes, bem como entre as várias áreas do conhecimento. A ambivalência do ser humano, segundo Morin, não está apenas entre “o ser bom ou ruim”, mas permeia todas as ações humanas e a cultura contemporânea. Se aparentemente pode-se saber tudo por meio das redes midiáticas, como a Wikipedia, por outro, o saber está compartimentado e disperso, é muito difícil conseguir conhecimento sistematizado, falta conexão entre os saberes, “temos de construir um conhecimento pertinente”, como explicou Morin.
Outra ambivalência apresentada pelo filósofo é a mundialização, que é “o melhor e o pior que já aconteceu para a humanidade”. Para Morin, enquanto se considera que a globalização permitiu que a pobreza se transformasse em classe média, ela representa também a destruição da solidariedade, da assistência particular e religiosa e isso afeta o número assustador de um bilhão de seres humanos que vivem hoje na miséria, nas favelas dos centros urbanos, expurgados da sua terra na zona rural.
De acordo com o filósofo, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento incontrolável destrói a biosfera, “estamos nos direcionando ao abismo”. E acrescentou: “Pela primeira vez na história existe uma comunidade de destino. Podemos esperar e aspirar que a terra se torne uma pátria, sem destruir as outras pátrias, mas englobando-as, compreender a unidade na sua diversidade, pois somos idênticos e diferentes ao mesmo tempo, nem gêmeos são idênticos totalmente e a cultura só existe através das diversidades”.
Sobre a Rio+20, Morin acredita que houve “um grande retrocesso e um passo à frente, pequeno. Voltamos ao passado, com ausência de agência internacional distinta para tratar das questões ambientais, como era a proposta francesa”. Mas o fracasso era previsível, segundo Morin: “Infelizmente falta um risco concreto, precisamos esperar catástrofes para progredir”.
O ponto positivo de toda a movimentação internacional no Rio, para Morin, foi a existência de uma tomada de consciência de que é preciso ligar os variados problemas. “É importante compreendermos que problemas da biosfera não são tratáveis isoladamente, via energia mais limpa ou menos carbono na atmosfera”, afirmou.
O modelo de produção econômica, para Morin, precisa mudar o “foco, que tem de deixar de ser quantitativo para ser a qualidade da vida. O principal é poder desfrutar da poesia da existência. As cinco vezes que estive realmente feliz foi independente de dinheiro.”
Com relação ao multilateralismo, Morin está confiante que ele será cada vez mais uma realidade. Com a saída gradual dos EUA do posto de potência hegemônica, vão nascer outras potências em um mundo multilateral, com consciência planetária, formando uma “Terra pátria capaz de aceitar as várias multiplicidades”. “O Brasil tem privilégio nesse cenário, pois é democrático, multiétnico e aberto a norte, sul, leste e oeste”, disse.
O desenvolvimento para o século 21 “ainda não tem rosto”, diz Morin. “A humanidade ainda não encontrou a solução, mas é necessário fazer o seguinte questionamento: como mudar o caminho?”, afirmou.
E, citando o filósofo pré-socrático Heráclito, Morin disse que “se não formos em busca do inesperado, nunca o encontraremos”.
O passado demonstra que os modelos de desenvolvimento mudaram muitas vezes de caminho, como o socialismo, o liberalismo e o anarquismo, e todos esses paradigmas fracassaram, lembra Morin, acentuando que deve-se continuar em movimento, na busca de outros modelos, outros caminhos.
E qual caminho tomar? No século passado, os jovens tinham muitas causas, pelas quais entregavam suas vidas, como foi o caso do próprio pensador, que lutou contra a ocupação francesa pelos nazistas. No entanto, essas causas não eram tão justas como pareciam. Terminada a guerra, com a pátria liberta, o país voltou a ocupar as colônias, como a Argélia, por exemplo. Morin acredita que “hoje a causa da humanidade não tem sombras. Não fiquem desencantados. Não dá para proteger um povo em detrimento de outro. Vocês tem a causa mais bela!”