Tudo ainda é duvidoso, mas o mundo ganha quando o radicalismo perde
Por Ricardo Viveiros*
Mais cedo do que se esperava, embora ainda não encerradas oficialmente as apurações, a imprensa mundial, diante dos números, anunciou que o novo presidente dos EUA é Joe Biden. Há também incertezas quanto ao Senado e à Câmara de Representantes, havendo tendência de maioria republicana no primeiro e democrata no segundo Parlamento.
A eleição foi muito acirrada, e haverá demora pelas medidas judiciais de republicanos inconformados. Tudo isso vai seguir alimentando por mais alguns dias a tensão e o debate, com mútuas acusações, nesta que já é a maior disputa eleitoral de todos os tempos em um país que detém, pelo bem e pelo mal, as atenções do planeta.
Donald Trump será descartado junto com os votos já contados? Talvez não. É possível que o movimento nacionalista e radical gerado por ele siga em frente sob sua liderança. O derrotado deverá promover forte oposição aos democratas, como eles não souberam fazer ao seu governo. Em décadas nenhum presidente americano, ao disputar uma reeleição, havia buscado desqualificar o processo popular de escolha. E Trump fez isso previamente, desde bem antes das eleições.
Deixou claro seu desrespeito à democracia. Dividiu o país. Fez lá o que aconteceu aqui, com Jair Bolsonaro, quando se lançou candidato defendendo apenas o “nós contra eles”. E a sociedade entendeu que deveria optar por um lado e radicalizou. Esse tipo de “cultura do ódio”, alimentada nas mídias sociais pelas fakes news, fragiliza a democracia. Dividir não soma, a matemática é ciência exata.
Democracia só existe, é real e produtiva com a independência dos três Poderes, com a garantia de igualdade e liberdade de todos perante as leis. Com os direitos constitucionais resguardados.
Governantes são funcionários públicos. Servidores à sociedade, gestores de todos, e não apenas dos que neles votaram. Assim, não podem tomar decisões ao seu bel-prazer, ao interesse deles próprios e dos que os apoiam. Mesmo quando eleitos por expressiva maioria de votos. Não podem pretender aplausos da mídia, porque ela existe para governados, e não para governantes.
Trump decepcionou muitos cidadãos dos EUA, democratas e republicanos, acima de tudo por ter tomado decisões pessoais e ideológicas na pandemia de Covid-19. E fundamentadas em questionáveis crenças, em supostas teorias conspiratórias, e não em fatos cientificamente comprovados. Conduziu as ações de governo, na grave crise sanitária, sob populismo autoritário e inconsequente. Milhares de pessoas morreram, outras tantas ficaram com sequelas. E o risco continua, sem vacina e sem remédio.
Também ignorou a pauta do racismo, deu a entender que não há problemas climáticos e tropeçou nas relações internacionais. Mandou muito mal, como dizem os jovens.
Embora Trump possa não desaparecer com a vacina do voto, qual será sua imagem doravante? Qual o remédio usará para se manter vivo como líder? E Bolsonaro, que o tem como ídolo, sofrerá as consequências de uma morte política?
Embora tudo ainda pareça duvidoso, é certo que o mundo ganha quando o radicalismo perde.
*Ricardo Viveiros, jornalista e escritor, é conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE), Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE) . Tem 49 livros publicados, entre os quais Educação S/A, Pelos Caminhos da Educação e O menino que lia nuvens, A vila que descobriu o Brasil (Geração), Justiça seja feita (Sesi-SP) e Educação S/A (Pearson).
Publicado originalmente em Folha de SP
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 11/11/2020
Edição: Ana A. Alencar