Está na hora de tutelar institucionalmente um governo que decididamente perdeu o juízo
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O presidente Bolsonaro, em mais uma de suas sessões de bravatas, empenhado em antagonizar seu desafeto político, o governador de São Paulo, ante a possibilidade do uso da “vacina chinesa” no programa nacional de vacinação, agora ameaça o brasileiro comum com a obrigatoriedade de assinar um termo de responsabilidade para tomar a vacina.
Afirma que se as farmacêuticas não se responsabilizam por resultados adversos das vacinas, ele então deveria repassar o termo de não responsabilidade aos que se predispõe a tomá-las.
Protagoniza o dirigente, a triste figura de um “vacinofóbico” delirante, de fazer corar o “Zé Gotinha” das campanhas de vacinação do passado.
A leviandade dita não ultrapassa o raciocínio mais primário. Vacinas estão sendo submetidas a um extenso protocolo de aprovação, por agências de vigilância sanitária em todo o mundo. Não estão sendo ministradas “pelas farmacêuticas” e, sim, pelos Estados Nacionais, após aprovação e registro.
Posto isso, chega a se uma infâmia a bravata presidencial, além de representar uma desmoralização completa da agência pública encarregada de analisar e aprovar as substâncias, a ANVISA.
Ademais, incorreu o mandatário no paradoxo invencível: se o Estado não se responsabiliza, por que pretende ministrar a vacina?
Até uma simples aspirina tem efeitos adversos e indicações. Então, deveria o governo exigir assinatura de termo para sua ingestão?
Pior ainda, é a bravata confrontada pelo direito. O cidadão pode assinar o termo… que a responsabilidade continuará sendo do Estado.
Assim, quero deixar claro o que penso, ante essa loucura pronunciada pelo líder que nos governa:
Fui professor, por dez anos, dos cursos de pós graduação em gestão ambiental, direito ambiental, engenharia de saneamento e educação ambiental, ministrados pelo NISAM – Núcleo de Informação e Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo – na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Convivi com excelentes professores e contribuí para a formação de aproximadamente 3000 técnicos, nesse período, que hoje formam quadros de gestão de saúde e saneamento em todo o Brasil.
Como profissional, cidadão e pai de família, não concebo que façam bravata com uma pandemia que já matou centenas de milhares de pessoas no Brasil e milhões no mundo e que deixa sequelas nos que sobrevivem. Não admito que um cidadão investido em cargo de responsabilidade pública, se encarregue de corroer a imagem, a confiança e a autoridade do serviço público de saúde – muito menos que incuta o temor no vulgo, quanto ao programa de vacinação.
Confesso meu horror com a capacidade de um cidadão, eleito por dezenas de milhões de habitantes, fazer uso da saúde pública como se fosse o papel higiênico da privada do seu banheiro. O volume de atrevimentos criminosos produzidos pelo chefe do executivo, desde o início da pandemia, não só me fez acordar para a farsa como, também, testemunhar o horror da leviandade sem pudor.
Pior ainda, é verificar que há um séquito de idiotas que seguem á risca o menu de sandices produzidas pelo amalucado dirigente, que por questões mesquinhas, como um pleito eleitoral para daqui a dois anos, resolve explodir com todo o patrimônio conquistado com muita luta pela saúde pública brasileira, no campo da profilaxia e imunização.
O que assistimos não é mais caso de impeachment, é de internação – e pelo visto, vai faltar camisa de força.
Como dizia Fernando Pessoa: “Minha loucura, outros que me a tomem com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem, mais que a besta sadia – Cadáver adiado que procria?”
O problema do poeta, é que fez os versos para quem quis grandeza. No caso presente… o escólio se dirige a quem se perdeu em miudezas. Jogou fora o grande desafio para se perder nas bravatas e ninharias das pequenas coisas mesquinhas.
De minha parte, desisto. Devemos trabalhar com afinco para tutelar institucionalmente um governo que decididamente perdeu o juízo.
O “Termo de Responsabilidade” destinado a fazer o brasileiro comum fugir da vacinação… foi a pá de cal.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 15/12/2020
Edição: Ana A. Alencar
Artigos assinados não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para reflexões.