Por Marcelo F. Sestini*
A Economia circular é uma abordagem e conjunto de práticas em relação à produção de bens e de consumo que considera o fluxo circular de matéria e energia empregadas nesses, por meio do aproveitamento de recursos secundários provenientes da recuperação das etapas de ciclo de vida dos produtos em substituição à extração de recursos naturais. Essa visão abrange toda a cadeia produtiva e envolve todos os atores a ela relacionados.
Medidas relacionadas a esse tipo de economia têm como objetivo preservar ecossistemas saudáveis, reduzir emissões diversas (atmosféricas, em corpos hídricos e solo) e poupar os recursos primários e matéria prima virgem, o que é atingido por meio da redução de desperdício e minimizando a produção de resíduos. Uma das práticas relacionadas a essas medidas é a recuperação energética de resíduos, a qual deve ser analisada o quanto e como os processos a serem utilizados, de forma a ser econômica e ambientalmente viáveis.
Formas eficientes de utilização de resíduos para fins energéticos podem proporcionar um ambiente urbano com maior salubridade, contribuir com a redução de emissão de GEE´s, criar oportunidades e proporcionar geração de emprego e renda.
Falando especificamente de resíduos de origem orgânica (ou biorresíduos), ou seja, aqueles de origem vegetal e animal, esses possuem processo de decomposição que pode ser por meio de digestão aeróbia ou anaeróbia (presença ou ausência de oxigênio). No caso da segunda forma, essa pode ser aproveitada por meio de biodigestores, nos quais a matéria prima (resíduos orgânicos) gera o biogás, o qual, após eliminadas as diversas impurezas e a umidade (que apresentam propriedades corrosivas e afetam o poder calorífico do combustível) produz o biometano, o qual pode ser envasado ou distribuído via dutos.
Com relação aos modelos de gerenciamento de resíduos, o manejo desses segue uma estrutura hierárquica, na qual a ordem de prioridade é: prevenção – reutilização – reciclagem – recuperação – rejeito.
Prevenção é a não geração e/ou redução de resíduos; reutilização é a reinserção do resíduo na cadeia produtiva ou em outra aplicação; reciclagem é o beneficiamento do resíduo por meio de reprocessamento; recuperação consiste em meios de aproveitamento, tais como compostagem e o aproveitamento energético; rejeito é a destinação final de material cujo aproveitamento não é possível, ou seja, quando esgotadas todas as alternativas econômica e ambientalmente viáveis ou ainda para tipos de resíduos classificados como perigosos, sendo tal disposição feita de forma controlada, após tratamento para redução de riscos diversos e de forma ambientalmente correta.
Outro ponto importante relacionado a esse tema é a abordagem do ciclo de vida do produto, ou seja, a análise das etapas envolvidas e do fluxo de matéria e energia em sua produção, desde extração de matéria prima até o pós consumo, considerando as formas de descarte adequado e reincorporação de resíduos em novos ciclos produtivos. Nessa abordagem os chamados nutrientes técnicos não devem possuir componentes agressores ao meio ambiente (ou, pelo menos, mitigar o uso desses), sendo concebidos e desenhados para serem desmontados e reformatados/reusados e os denominados nutrientes biológicos devem ser biodegradáveis. Essa visão também considera os aspectos socioeconômicos, além dos físico-ambientais e é uma ferramenta que auxilia a avaliação de desempenho ambiental de um produto e na decisão de estratégias que visem reduzir os impactos socioambientais advindos de processos produtivos.
Com relação aos biorresíduos provenientes das atividades relacionadas à alimentação, a decisão preliminar é a prevenção à geração desses, evitando o desperdício existente em todas as etapas de seu ciclo de vida, o que abrange o cultivo/criação, processamento de alimentos, armazenamento, distribuição, comercialização, consumo e sobra. Porém, ainda que existam ações tanto para evitar o desperdício desse tipo específico de resíduo quanto para dar uma destinação adequada a esse, verifica-se um descarte considerável, em parte proveniente das características de alguns desses e também devido ao contexto econômico, cultural e social dos fornecedores/consumidores. Tal material descartado tem, muitas vezes, como destino final os aterros, gerando os problemas decorrentes de tal prática: emissão de GEE´s, chorume, entre outros.
Dessa forma, seguindo a ordem de prioridades do gerenciamento desse tipo de biorresíduo, aqueles que apresentam melhor desempenho ambiental são a compostagem e o aproveitamento energético. Neste ponto entra uma variável importante, que é a qualidade do biorresíduo, ou seja, suas propriedades físico-químicas, biodegradabilidade e seu grau e tipo de contaminação com outros tipos de resíduos. Isso determinará a destinação à compostagem ou à geração energética e, em ambos os casos, quais os melhores métodos e equipamentos a utilizar no processamento. Aqui também cabe destacar a importância de uma cultura de segregação adequada e coleta seletiva dos resíduos, o que é um passo importante nos diferentes tipos de aproveitamento desses e em seu melhor desempenho.
Além da qualidade, a quantidade de biorresíduo, existência e tamanho de um mercado consumidor e estrutura para distribuição do biometano também fazem parte do cálculo de viabilidade desse tipo de empreendimento. Tomando o caso do município do Rio de Janeiro como exemplo, segundo Ana Carolina Angelo, o aproveitamento energético é, em geral, uma alternativa melhor em relação à compostagem, devido, entre outros fatores, à preponderância do setor de serviços, sendo que tal fonte atende à expressiva demanda de residências, bem como de veículos (Angelo, Ana: Contribuições para o inventário do ciclo de vida dos resíduos orgânicos provenientes da coleta domiciliar na cidade do Rio de Janeiro, 2014).
A disponibilidade de biometano é, dessa forma, mais uma alternativa sustentável na diversificação de nossa matriz energética.
*Marcelo F. Sestini – analista socioambiental; realiza estudos de impacto ambiental; diagnósticos, monitoramento[, planejamento, riscos, susceptibilidade física, vulnerabilidade socioambiental e sustentabilidade.
Fonte: O autor
Publicação Ambiente Legal, 08/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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