A venda de suplementos vitamínicos é um mercado que, sem se basear em resultados científicos, apresenta grande números financeiros, de dezenas de bilhões de dólares. Médico refuta qualquer eficácia da estratégia
Elder Dias
Um dos grandes males da humanidade no século 21 — e provavelmente um dos que lhe serão mais letais — é a busca incessante pela comodidade. Se nas últimas décadas antes da virada do milênio houve a explosão dos portáteis — de aparelho de som a computador, passando por TVs, geladeiras e telefones —, agora vive-se a facilidade do mundo virtual: não é preciso sair do lugar para comer (tele-entrega), para comprar (vendas pela internet), para trabalhar (homeworking). Essa prática parece se estender até mesmo em relação à saúde. Entre as várias facilidades que são vendidas, uma é a de se manter saudável sem esforço. É o que promete, por exemplo, a ingestão de pílulas ou porções diárias de vitamina D, algo que tem alcançado uma febre de consumo nos últimos temos. Algo como “a última moda” em vitaminas.
Esse é o problema: ser moda, mas não ciência. É para esse tipo de comportamento que alerta o médico mastologista Roberson Guimarães, também professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Anápolis, a UniEvangélica. Em sua página no Facebook, recentemente ele compartilhou um artigo de opinião publicado no “Jama” [The Journal of the American Medical Association], um periódico da Associação Médica Americana, a entidade mais representativa da classe médica dos Estados Unidos. No texto científico, os professores JoAnn Manson e Shari Bassuk, do Departamento de Medicina Preventiva da Harvard Medical School, recomendam aos profissionais da área que evitem a dosagem rotineira e a prescrição de suplementos de vitamina D até que se tenham os resultados de quatro grandes estudos em desenvolvimento sobre o tema.
“O que podemos dizer, por enquanto, é que a ingestão de vitamina D é só um modismo para aumentar faturamento de laboratórios e da indústria farmacêutica”, resume Roberson Guimarães. Mais do que isso, em princípio esse parece ser, dos modismos, o mais desnecessário: é que a vitamina D tem como fonte a radiação solar. Bastam 20 minutos de exposição diariamente e uma alimentação correta, básica, para captar a quantidade necessária ao organismo. Quem tem um pouco mais de idade vai se lembrar também dos xaropes, um tanto intragáveis, feitos à base de óleo de fígado de bacalhau, outra fonte rica dessa vitamina.
Para o ser humano e outros animais, a principal função da vitamina D é ajudar no controle do cálcio, a substância principal na formação óssea. E é esse o principal uso da vitamina acima da dose normal: para pacientes com problemas na fixação do cálcio, com osteoporose (diminuição progressiva da densidade óssea) ou osteopenia (redução de massa óssea, geralmente estágio anterior da osteoporose), o que acomete principalmente mulheres. Nesses casos, há uma suplementação vitamínica indicada e até necessária.
O que tem ocorrido — e é o fato que levou o médico a usar a rede social para fazer a advertência —, porém, é o uso indiscriminado por pessoas sadias, jovens, como estratégia de prevenção de doenças no futuro, para melhoria de função cardiovasculares e aumento de performance esportiva. “Esse é na verdade o grande problema: dosagens altas para quem, na prática, não precisa. Não existe nenhuma prova sobre a eficácia dessa ou de qualquer outra vitamina para essas finalidades”, aponta Roberson.
As consequências podem ser graves. Compartilhando a postagem do colega anapolino, o cardiologista André Logaldi relatou o caso de um paciente que se submeteu a ingestão de hiperdosagens: “Um paciente jovem, ‘saudável’, frequentador de academia, que optou por suplementação de vitamina D: o resultado foi uma insuficiência renal aguda!”, contou.
É importante ressaltar que a crítica é endereçada aos dois lados envolvidos: médico e paciente. “Tem médico fazendo suplementação com altas doses e isso não deveria ocorrer, a não ser nos casos previstos”, diz Roberson. Segundo ele, os quatro grandes estudos conduzidos sobre a vitamina D — nos Estados Unidos, na Austrália, na Grã-Bretanha e na Finlândia — visam estabelecer conexão entre o composto e a prevenção de câncer e doenças cardiovasculares. Nenhuma pesquisa tem ainda qualquer apontamento conclusivo. “Os resultados virão, no mínimo, a partir de 2017. Por enquanto, médico que receita altas dosagens não está fazendo ciência: está fazendo picaretagem ou parceria com laboratório.”
E é um mercado que, se não mostra resultados científicos, apresenta grande resultados financeiros: estima-se que o consumo de suplementos vitamínicos envolva algo superior a US$ 70 bilhões anuais. Um mercado criado e alimentado sem evidências científicas. As pesquisas sobre várias vitaminas levadas a cabo até o momento não trouxeram qualquer resultado concreto positivo. Pelo contrário, aumentam desconfianças: há casos em que pacientes de câncer submetidos a dosagens altas de betacaroteno e vitamina E (combinada com selênio) tiveram piora do quadro, em pulmões e próstata, respectivamente. “Fazer exercício é mais difícil do que comprar um comprimido. E tem gente que gosta de ser enganado e acha médicos que são vendedores de ilusões, infelizmente”, completa Roberson.
Dráuzio Varella
Outro médico que alerta contra o uso indiscriminado da vitamina D é Drauzio Varella, que ficou famoso por ter escrito “Carandiru” — livro que virou filme e conta histórias sobre sua experiência como voluntário no sistema presidiário de São Paulo — e por fazer quadros sobre saúde no programa “Fantástico”, da Rede Globo. Seu site (www.drauziovarella.com.br) é um dos mais populares na área da medicina e, por meio dele, Drauzio coloca várias orientações a respeito de assuntos diversos.
Sobre a euforia em torno do uso da vitamina D, ele tem posição bem parecida à de Roberson Guimarães. “Muitos pesquisadores desaprovam essa estratégia de medicar em massa. No passado, outras vitaminas que pareciam trazer benefícios à saúde, demonstraram efeito contrário”, escreve, para completar: “Enquanto os resultados não são conhecidos, é mais sensato confiar no método natural: expor braços e pernas ao sol durante 5 a 30 minutos (a pele escura sintetiza com mais dificuldade), duas vezes por semana, ou apanhar sol no corpo inteiro a cada dois ou três meses, por tempo suficiente para deixar a pele um pouco mais pigmentada.”
Recomendação é fazer o básico: comer bem e praticar esporte – mas com moderação
O uso de suplementação vitamínica não é novidade. A ideia de que o reforço na dose de vitamina C vai livrar qualquer um de resfriados e outras doenças é bastante disseminada até hoje. “Vitamina C e cama”, diz o ditado-receita para lidar com uma gripe. A história começou com o cientista norte-americano Linus Pauling, conhecido pelo trabalho com ligações químicas, o que o levou, em 1954, a um Prêmio Nobel de Química — ainda ganharia outro, o Nobel da Paz de 1962, por seu ativismo pacifista contra os testes nucleares. Ele recomendou e defendeu o uso, em dietas, da vitamina C e de outros nutrientes em grandes proporções. Assim, foi o principal impulsionador da medicina ortomolecular, que até hoje é vista como um método heterodoxo de prática profissional.
Uma das convicções de Pauling era a de que a suplementação combatia os radicais livres — grupos de átomos que apresentam elétrons desemparelhados, “soltos” —, responsáveis pela oxidação. Seriam eles os principais responsáveis pelo envelhecimento celular. Algo de que o médico Roberson Guimarães discorda. “A história dos antioxidantes para combater radicais livres e retardar o envelhecimento também é uma mentira cabeluda. Não há evidência disso”, afirma, completando com certo humor: “Tem um jeito fácil de evitar o envelhecimento: morrer cedo.”
Novamente, Roberson recomenda o básico para se manter de bem com a vida: “São as coisas que todos nós sabemos: comer bem, com vegetais e frutas, evitar carboidratos, praticar atividades físicas, entre outras coisas. O problema é que as pessoas querem facilidades.”
Não é o caminho que ele próprio traçou para si. Roberson sempre praticou esportes — jogava tênis e chegou a ser atleta de futsal, quando mais jovem. Hoje, aos 46 anos, é maratonista e, na semana passada, se preparava para a corrida tradicional de Boston (EUA), que será realizada nesta segunda-feira, 20. Ele, que fará sua quinta maratona, conta que não usa nada de suplementação para os pesados treinos — corre cerca de cem quilômetros semanais.
“Basta ter uma alimentação balanceada”, contestando também o uso indiscriminado de suplementos para hipertrofia e desempenho esportivo. “O que dá resultado mesmo é anabolizante e EPO (eritropoietina). Só que ambos são doping”, ironiza.
Mas ele próprio adverte: exigir os limites do corpo, mesmo praticando esporte, também não é nada bom. “Ser maratonista não é muito saudável. E, se todo excesso é ruim, então esporte de alto rendimento não é saúde. Tem uma frase do Paul Tergat [maratonista, medalhista olímpico e multicampeão da Corrida de São Silvestre] muito significativa: ‘Nunca corri sem dor.’ É muito sério isso. Dor não é normal; se está doendo é porque está errado.”
Aqui de novo é preciso citar Drauzio Varella. É que outra coincidência do médico global com seu colega Roberson é ser maratonista. E Drauzio, um bom escritor além de médico competente, já relatou seuhobby radical de 42 quilômetros em alguns textos. “Precisei de algumas maratonas para entender que elas começam no quilômetro 35, de fato, quando as forças abandonam o corpo e a aparência dos companheiros de infortúnio se torna lamentável. A julgar por ela, fica evidente que maratonas não podem fazer bem para o corpo humano.” De fato, atletas de alta performance geralmente sentem no corpo as consequências da vida dedicada a superar marcas e conquistar medalhas e pódios. São complicações esqueléticas, cirurgias corretivas, doenças cardíacas, um punhado de males, além de dores, muitas dores.
Em vez de tomar vitaminas ou achar que bater recordes seja o elixir da juventude, Roberson aconselha o aristotélico caminho do meio. “Tem uma série de publicações, estudos de dois anos atrás, que recomenda corridas em ritmo leve de três a quatro vezes por semana, de 30 a 35 minutos”, diz, relatando o que seria a prática esportiva mais saudável possível. “Quanto mais se aumentam a intensidade e a duração, diminui-se o benefício, podendo até chega a um ponto de real prejuízo.”
Elder Dias é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás e editor-chefe do Jornal Opção.
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