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“Outra vitória como essa e estaremos perdidos!”
( Pirro de Épiro 279 a.c.)
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão consagrada pela história militar, mas que se aplica a todos os momentos importantes da vida social, esportiva e política.
Ela é utilizada como tradução de vitória obtida à custa de danos e prejuízos irreparáveis.
A expressão tem o nome do Rei Pirro, de Épiro, cujo exército, após sofrer grandes perdas ao derrotar os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C., foi novamente vitorioso na Batalha de Ásculo (ou Asculum), em 279 a.C. praticamente perdendo o restante das tropas.
Plutarco assim reproduziu o relato de Dioniso de Halicarnasso:
“Os exércitos se separaram e, diz-se, Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória que “uma outra vitória como esta o arruinaria completamente”. Pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo e quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes. Não havia outros homens para formar novos recrutas e encontrou seus aliados na Itália recuando. Por outro lado, como que numa fonte constantemente fluindo para fora da cidade, o acampamento romano era preenchido rápida e abundantemente por novos recrutas, todos sem deixar sua coragem ser abatida pela perda que sofreram, Pelo contrário, extraindo de sua própria ira nova força e resolução para seguir adiante com a guerra.”
Pirro, portanto, ao vencer a dura batalha de Asculum, exclamou o que seria em bom português: “outra vitória como essa e estaremos perdidos!”
Se vitória não conduz necessariamente à resolução de um conflito, a consolidação daquela e a resolução deste só ocorrerá com a adoção de atitudes magnânimas, conciliatórias e plenas de conteúdo.
O fato é que não se consolida uma vitória se não ocorrer engajamento do território conquistado na resolução do conflito, incluindo os vencidos.
Alexandre Magno, Pirro, César, Napoleão e Churchill, aprenderam essa lição a duras penas, e a aplicaram.
Kennedy, ao tomar posse na presidência dos EUA, consolidou sua liderança nos mesmos termos, ainda que houvesse que implementar as duras medidas de intervenção na Guerra Fria e no combate ao crime organizado – que, ao que tudo indica, lhe custaram a vida. Nixon, por sua vez, pagou caro por não exercer o mesmo ato de grandeza – arriscando levar consigo, para o buraco, toda a massa conservadora americana.
Fato: toda glória é efêmera, e amargará como uma grande derrota se o vitorioso não atrair os vencidos à causa vencedora.
Essa é a grande lição, que deveria ter sido aprendida por Dilma Rousseff, se quisesse consolidar seu segundo mandato como governante.
A presidente foi reeleita à custa de uma campanha fratricida, que seccionou o Brasil no campo ideológico, político, geográfico e social. Enfrentou o maior movimento de protestos de que se tem notícia, em 2013, escândalos estratosféricos de corrupção e uma administração econômica desastrosa. Fez ressurgir uma oposição intolerante e rancorosa e estimulou preconceitos de todos os matizes.
Deveria, portanto, buscar uma agenda positiva, apresentar projetos que agregassem, conciliar diferenças e adotar um tom moderador, ainda que o intento fosse implementar “mudanças ideológicas” importantes.
Porém, afundou no sectarismo revanchista e não conteve impressionante onda de corrupção.
Ocorrido o impeachment, pela inépcia da presidente sectária, sobreveio o excelente governo Temer, que soube ser magnânimo mesmo em meio às crises. Já o mesmo não ocorreu com o Governo Bolsonaro.
O presidente que soergueu o conservadorismo no Brasil e forneceu as condições objetivas para nascerem novas lideranças à direita do quadro político nacional, jamais soube somar. Tratou desde o início de travar batalhas desgastantes, subtraindo quadros e reduzindo apoios a cada uma delas – em que pese o enorme prestígio popular fornecido ao seu mandato na inércia da massiva busca do eleitorado brasileiro por uma renovação no ambiente político.
Afetado por uma “síndrome de Janus” – cuja cabeça apresentava uma face que proferia monumentais bravatas enquanto a outra soava eficiente e racional no mesmo corpo governamental, o governo Bolsonaro não consolidou uma unidade nacional. Pelo contrário, afastou aliados e parte do eleitorado (assustado com o comportamento idiossincrático do mandatário).
Agora, reconduzido ao posto da Presidência da República num périplo “homérico”, envolvendo personagens de tragédia grega e contorcionismos institucionais mitológicos, o Presidente Lula inicia o desembarque em Brasília sinalizando atitudes revanchistas, incondizentes com o que se deveria esperar de quem já experimentou o Poder por dois mandatos. Parece não reconhecer a vitória pírrica que obteve, o abismo criado na placa tectônica da sociedade brasileira e os riscos mortais de rachaduras e terremotos arrasadores no sistema republicano brasileiro.
A semelhança histórica não é gratuita. E há variáveis que resvalam do campo puramente funcional a interesses afetos ao fenômeno criminológico, tornando o horizonte bastante nebuloso.
O Brasil não saiu engrandecido destas eleições. Consolidado como uma das mais democráticas repúblicas do mundo, com poderes da república maduros e fortes, sentiu suas Estruturas de Estado se deixarem abalar pelo calor do debate eleitoral.
A cidadania, no entanto, cumpriu seu papel e demonstrou, de um lado, um viés conservador bastante arraigado, que aposta no status quo como fator de segurança, ainda que não seja o ideal. Por outro lado, ficou registrada uma profunda insatisfação com o funcionamento de nosso sistema político-partidário, econômico e social.
Seja pela polarização do debate e dos resultados eleitorais, seja pelos mais de trinta milhões de brasileiros que simplesmente se abstiveram de ir às urnas (em um sistema cujo voto é obrigatório) – mudanças terão que ocorrer na estrutura do Estado brasileiro.
Governantes, parlamentares e magistrados terão que reconquistar legitimidade e credibilidade (a pouca que ainda detinham, se foi), para promover mudanças efetivas, que precisam ser executadas, incluso constitucionais.
Tudo o que houver que ocorrer não poderá, todavia, sequer arranhar garantias fundamentais do cidadão, o Estado de Direito, a segurança pública, o pluralismo e a economia de mercado, sem os quais, não há democracia ou sustentabilidade. Insistir no populismo será o caos.
Porém, é fato, “o que aí está” não sobreviverá, sem uma grande conciliação nacional.
O cenário é desafiador e… Generais como Pirro, historiadores como Plutarco, “jornalistas” como Dionísio e cidadãos como gregos e troianos, já não se fazem mais presentes.
Boa sorte a todos nós.
*artigo revisto e atualizado em Jan. de 2023.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, advogado formado pela USP, consultor ambiental, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 03/01/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.
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Excelente Texto. Quanto a “Vitória Pírrica” se faz presente mais uma vez em nossos dias. Quantos brasileiros deixaram de cumprir seu dever cívico…
Att. Marlene