Para Édis Milaré, lei brasileira já pune crimes deste tipo e não é possível tipificá-lo no ordenamento jurídico internacional.
Ecocídio – volta e meia vem à luz do dia este termo, que representa os crimes contra ecossistemas e contra o Meio Ambiente. Situações ambientais ocorridas no Brasil – como os incêndios na Amazônia e Pantanal – e no mundo trazem à baila supostas lacunas a serem preenchidas no Direito Ambiental, e fazem com que a tipificação do delito ganhe “adeptos” no âmbito mundial, entre políticos, advogados e especialistas interessados em criminalizar as agressões. Seria, então, o caso de tipificar o termo e tornar crime a prática do “ecocídio”?
Para Édis Milaré (Milaré Advogados), um dos grandes nomes do Direito Ambiental do país, a resposta é não. Para o advogado, o “ecocídio” já é punido, mais ou menos rigorosamente, a depender de cada país, e não é possível – ou necessário – tipificá-lo. O que é necessário é aplicar a lei já existente, e neste ponto o Brasil deixa a desejar. Internacionalmente, o especialista destaca que este já foi um debate inclusive na ONU, mas sua implementação foi recusada porque interferiria em questões internas dos países.
Ecocídio no Brasil
Milaré destaca que há, no Brasil, uma legislação bastante completa sobre Meio Ambiente. A lei dos crimes ambientais, de 1998, destaca, é bastante avançada, porque, pela primeira vez na história do país, de mais de cinco séculos, busca a criminalização não só das pessoas físicas, mas também das pessoas jurídicas.
O próprio “ecocídio”, esclarece, já é uma prática punida pela legislação – ainda que não com esta nomenclatura.
“Até 98, só se punia o indivíduo isoladamente considerado. Até então, até a lei dos crimes ambientais, nós buscávamos, em matéria ambiental, punir não o verdadeiro criminoso – porque o verdadeiro criminoso ambiental, o delinquente ambiental, aquele que agride o meio ambiente, ele não é o pobretão, o indivíduo isoladamente considerado, que mata uma capivara, derruba uma árvore ou pratica um ato de caça até por conta de necessidade alimentar – o verdadeiro criminoso ambiental é a pessoa jurídica. E o nosso país, pela primeira vez, possibilitou que colocássemos no banco dos réus as pessoas jurídicas.”
Para ele, o problema está na implementação da norma, que deixa a desejar. “Não basta ter um diploma legal avançado, se não colocado em prática”.
” A falta de uma responsabilização, prevenção por meio de fiscalização, são práticas que parece que não estão muito na ordem do dia na nossa administração ambiental. Os jornais dizem isso no dia a dia, e estou aqui repetindo.”
Cenário internacional
Em abril, Assembleia Nacional da França aprovou a tipificação criminal de “ecocídio” dentro do arcabouço jurídico do país. De acordo com a norma, casos graves de dano ambiental em nível nacional serão considerados ecocídio, passíveis de pena de até 10 anos de prisão e multa de 4,5 milhões de euros.
Em maio, a deputada do parlamento europeu María Soraya Rodríguez Ramos conseguiu a aprovação de projeto que defende o reconhecimento do ecocício como crime internacional.
No fim de junho, um grupo reunido pela fundação Stop Ecocide e a Universidade da Califórnia em Los Angeles, propôs a tipificação do ecocídio com a seguinte definição jurídica: qualquer ato ilícito ou arbitrário perpetrado com consciência de que existem grandes probabilidades de que cause danos graves que sejam extensos ou duradouros ao meio ambiente. A comissão internacional busca incorporar o termo ao Estatuto de Roma – que cria o Tribunal Penal Internacional, instituição com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional. Confira o documento.
Mas, para o especialista Édis Milaré, buscar erigir a prática como crime internacional seria “entrar em campo extremamente pantanoso”. “Que autoridade poderia interferir na soberania de um país pra dizer como ele deve punir isso?”, questiona.
Para Édis Milaré, a punição por crimes contra o meio ambiente não deveria ter fronteiras, porque a agressão a um ecossistema fere os interesses da comunidade não só nacional, como de outros países também.
“Fábricas nos EUA muitas vezes produzem reflexos negativos no Canadá e em outros países. O meio ambiente não respeita fronteiras e por isso, sempre disse que haveria sim de se pensar num tipo de uma entidade supranacional.”
O advogado destaca que hoje temos o Pinuma – Programa das Nações Unidas para o meio ambiente, que é uma agência dentro da ONU que procura traçar políticas globais. Mas, por se tratar de um programa, ela não só não tem recursos próprios como não tem autoridade intimidatória, suasória, ou sancionatória para impor sanções em outros países.
Assim, Milaré questiona: para punir os crimes ambientais contra a natureza que muitos chamam de ecocídio, será que não precisaríamos instituir uma agência internacional de proteção ambiental? Que tivesse não só autonomia, mas o poder de praticar ações além-fronteiras?
Mas tudo isso é uma questão que está ainda no âmbito das especulações.
“Dentro do ordenamento jurídico internacional, não temos como instituir o ecocídio como uma prática passível de ser punida, porque isso estaria a violar interesses relacionados à soberania.”
Fonte: Migalhas
Publicação Dazibao, 20/07/2021
Edição: Ana A. Alencar
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