Primeira turma de Direito da Zumbi forma em 2012 e já terá a tranquilidade de o curso ter sido reconhecido pelo Ministério da Educação.
Por Danielle Denny e Camila Masri
Quando fizeram suas matrículas em 2007, os mais de 200 formandos não tinham a menor garantia de que o curso seria reconhecido pelo Ministério da Educação. Na verdade, essa era uma das menores preocupações que tinham em mente esses alunos. Para a maioria, o sonho de cursar uma universidade era tão pujante e as dificuldades a serem contornadas tantas, que o MEC ficava para segundo plano. A turma é constituída, em sua maioria, por negros declarados e na fase da maturidade. São pessoas que enfrentaram os mais variados percalços para finalmente frequentarem os bancos universitários. Para elas a Zumbi dos Palmares viabilizou um sonho. O fundador e reitor Dr. José Vicente dá mais detalhes.
ENTREVISTA COM DR. JOSÉ VICENTE, FUNDADOR E REITOR DA ZUMBI DOS PALMARES.
Em 16/2/12, na sede da Revista Ambiente Legal
Dr. José Vicente é advogado, com especialização em Relações Internacionais, Polícia Comunitária (EUA) e Narcotráfico (Itália). Mestre em Administração. Doutorando em Educação. Fundador e presidente do Instituto Afrobrasileiro de Ensino Superior, fundador presidente da Afrobras – Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, membro do Conselho de Autorregulação Bancária – Febraban, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, membro do Conselho Superior de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, membro do Conselho Consultivo do Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, membro titular do Movimento Nossa São Paulo, conselheiro diretor da Fundação Care/SP, membro titular do Movimento Todos Pela Educação e membro do Conselho do Memorial da América Latina.
AMBIENTE LEGAL: Como foi a experiência de criação da Zumbi dos Palmares?
DR. JOSÉ VICENTE: A experiência foi inenarrável, incomensurável. E continua sendo. Está ainda em pleno desenvolvimento. É uma ação inovadora e pioneira que envolve aspectos variados: políticos, sociais, psíquicos, econômicos… Não tínhamos no Brasil qualquer experiência efetiva nesse campo, nem feita da mesma maneira. Estar vivendo isso é incomensurável! Claro que o fato de estar dentro da experiência compromete a neutralidade, se perde um pouco a capacidade de avaliação da dimensão geral da experiência.
AMBIENTE LEGAL: O que a Zumbi dos Palmares representa para o final da discriminação no Brasil?
DR. JOSÉ VICENTE: Nosso país se dedicou muito pouco ao problema estrutural de o Brasil ter nascido sobre a plataforma da escravidão. Ainda não se debruçou sobre o problema para buscar uma solução desse pecado original que carrega nosso país. Ainda não fomos bem sucedidos na busca de uma solução geral. O que há são iniciativas isoladas para minimamente tentar fugir da camisa de força de que não há o que fazer, de que as coisas são assim e pronto. A Zumbi é um passo além da discriminação social e racial, da iniquidade e da injustiça social.
AMBIENTE LEGAL: Como são essas iniciativas isoladas?
DR. JOSÉ VICENTE: Há tradicionalmente duas formas de se lidar com o tema. Um grupo de pessoas entende que para resolver o problema da discriminação, basta promover o desenvolvimento econômico. Como os mais pobres dos pobres são os negros, pobreza e indigência têm cor e raça: 70% dos pobres são negros, com mais produção, haverá melhor distribuição de riqueza e assim estaria resolvido o problema dos negros. Há também os que entendem que o racismo é uma ideologia do capitalismo econômico, pois a regra da constante competição exclui pessoas e grupos da performance pré-definida e internalizada pela sociedade. A estética do capital é branca de olhos azuis. Sob essa lógica, se racismo há é mais em virtude do capital e não da cor ou da raça. Assim, precisamos de mais respeito às pessoas para transformar diversidade num valor. Nesse sentido são as medidas afirmativas black, como o PROUNI, a proibição legislativa do preconceito, o ensino da história da África nas escolas… Mas todas são medidas pontuais que não resolvem o cerne do problema.
Pobreza e indigência têm cor e raça: 70% dos pobres são negros
AMBIENTE LEGAL: Como a Zumbi se diferencia dessas iniciativas isoladas?
DR. JOSÉ VICENTE: Além desses dois pilares, a Zumbi se introduziu num espaço de atuação que o governo foi omisso, bem como a iniciativa religiosa, ou sindical, ou dos partidos políticos, ou dos organismos internacionais. Trata-se de um movimento da sociedade civil composto por negros majoritariamente e se expressa com a ação dessa sociedade civil para superar o cerne da dificuldade. A Zumbi conseguiu, além de questionar a raça, superar os limites impostos pela meritocracia usual, o mérito tomado como o resultado expresso de quem chegou, de quem conquistou, de quem venceu. Outros aspectos relevantes do mérito devem ser levados em consideração se o ponto de partida foi discrepante, assim tem de haver avaliação do mérito de forma diferente. Avaliação se no final do curso aluno está melhor, se sai tendo produzindo alguma coisa. Conseguiu-se, portanto, flexionar o mérito. Outro aspecto é integração de negros e não negros, a interação racial dialógica. A Zumbi proporcionou o lugar onde isso pudesse acontecer. A Zumbi quebrou a lógica de que um determinado ambiente não era compartilhado por brancos e negros. Temos linhas invisíveis que separam os dois públicos. Essas são características pioneiras no combate a discriminação e ao combate a diferença social.
Zumbi conseguiu, além de questionar a raça, superar os limites impostos pela meritocracia usual.
AMBIENTE LEGAL: E qual foi a lógica alternativa implementada?
DR. JOSÉ VICENTE: Não temos negros nas universidades de primeira linha, pois elas exigem um conhecimento extraordinário que o negro com trajetória tipicamente acidentada muito dificilmente consegue. Por sua vez, cursar uma universidade privada exige muito dinheiro. Assim, o negro não entra na festa de passarinho, porque mama nem na festa de mamífero porque voa. A Zumbi respondeu a essa engenharia e confirmou que o problema era de renda sim, mas que a situação não era determinista, havia meios alternativos. Na Zumbi, os alunos pagam, mas pagam mensalidade social. Além disso, a Zumbi respondeu ao mito de que precisaria muito conhecimento para atingir o prestígio da universidade e do mercado de trabalho. A Zumbi já conta com 250 mil jovens executivos juniores e trainees e 16% já estão efetivados nas empresas que os contrataram em virtude de parcerias que tinham com a Zumbi, mas passando pelos mesmos processos e cumprindo os mesmos requisitos que os demais candidatos. Esses números comprovam que, se houver oportunidade, os alunos corresponderão.
AMBIENTE LEGAL: Qual é o modelo, a inspiração?
DR. JOSÉ VICENTE: A Zumbi pôde se construir como modelo de referência, modelo de como atuar em tema que ninguém tem manual do que fazer, de como fazer. A Zumbi tem formatado o modelo. E os resultados são bastante inspiradores e podem ser reproduzidos em projetos maiores. A experiência não foi, está sendo, estamos sendo surpreendidos com o que está surgindo. A Zumbi tem, em seu quadro de docentes, o maior contingente de doutores negros de nosso país. Está além do seu tempo. Significou, e significa, superar o insuperável economicamente e socialmente, com capacidade de resiliência e de superação.
AMBIENTE LEGAL: O Brasil é uma democracia racial, como conceituou Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala?
DR. JOSÉ VICENTE: Pobreza e indigência tem cor e tem raça, reitero. Somos democracia racial para fora, não para dentro. Os espaços de prestígios e de poder não são compartilhados por negros e brancos. Por isso iniciativas que pretendam resolver esse problema estrutural não podem depender de cotas, nem de que a pobreza seja resolvida por completo.
AMBIENTE LEGAL: Quanto custou para implementar a Zumbi?
DR. JOSÉ VICENTE: A tendência é se imaginar que para mudar a realidade são necessários grandes investimentos financeiros. A Zumbi é uma prova do contrário. Não foi preciso um tostão no bolso. Capacidade de trabalho e de agregar pessoas, bem como a sorte, foram os diferenciais para construir uma realização empresarial econômica de 30 milhões de reais, financiada 80 % pelas mensalidades e os outros 20% por parcerias corporativas, pesquisas e projetos. E em um tema tido antes como inviável. A despeito de todas as dificuldades o tema conseguiu agregar as mais diferentes pessoas, inclusive japoneses e judeus, foi bem a cara do Brasil.
AMBIENTE LEGAL: A Zumbi pretende se expandir?
DR. JOSÉ VICENTE: A rede Zumbi dos Palmares é uma utopia financeira, mas não existe almoço grátis. Tem de ter recurso para investir, sem perder de vista a competição mercadológica. Tem de disputar aluno. Outras têm mais recursos, mais financiamento. Sendo assim, o objetivo atual é inspirar que outros copiem o modelo da Zumbi. Se produzirmos bons resultados isso estimulará outros.
AMBIENTE LEGAL: Quais são os planos da Zumbi na área Ambiental?
DR. JOSÉ VICENTE: Pretende-se criar um grupo de estudos sobre o tema em breve. Afinal, os negros tem a maior presença nas franjas territoriais, nas encostas, nas favelas. Quem morre num desabamento, por exemplo, são na maioria negros. Acesso a terra é fundamental. E terra é poder. No espaço urbano é onde esses conflitos mais se mostram. Muitos alunos da Zumbi moram há 3 horas do centro em cidade. Bem estar e qualidade de vida precisam ser praticados e defendidos por aqueles que podem ter uma atuação mais relevante nas escolhas das políticas de planejamento, na gestão de territórios quilombolas, na defesa dos invasores, da qualidade da agua e essas atuações atingem mais o público alvo negro. Importante, por isso, o desenvolvimento de um grupo de estudo sobre o tema para, inclusive, sugerir intervenções.
Para mais detalhes sobre a Zumbi dos Palmares acesse www.zumbidospalmares.edu.br
Ótimo artigo, parabéns…
Dr Excelentíssimo Senhor Reitor José Vicente, sem palavras, para as suas iniciativas, e que digam por si só os mais diversos cargos enumerados acima nas mais renomadas instituições, as quais o senhor faz parte. Reconheço a grandeza e a contribuição gigantesca do povo negro ao Brasil, é uma satisfação tamanha tê – lo como como um dos defensores dos deveres e direitos de quem só contribuiu ao Brasil, Parabéns se que Deus abençoe ao senhor e a todos nós moreno, pardos, negros, mulatos, afro, brancos, e demais povos defensores da igualdade e justiça.