ciais” e a boa-fé objetiva, derivadas da
própria técnica legislativa mista, uti-
lizada na confecção do projeto que se
converteu na Lei n.º 10 406/02. Uma
das críticas mais freqüentes é relativa
à omissão dos negócios pela Internet.
A crítica é descabida, pois a Internet é
apenas o “veículo” para a prática de
atos e negócios jurídicos, bem como
de crimes no ciberespaço. A mani-
festação de vontade pode ser feita em
contrato escrito e assinado ou pela In-
ternet; a prova da contratação pode ser
feita por contrato escrito e assinado ou
pela Internet (com ou sem assinatura
eletrônica e/ou criptografada). Assim,
não vejo como se pode dar procedên-
cia e credibilidade a essas críticas, pois
são descabidas. Pecados menores há,
e muitos. Como toda obra humana, o
Código Civil também padece de im-
perfeições, que podem e devem ser
corrigidas com o tempo, como, aliás,
acontece em todo sistema legal
brasileiro. Para tanto, existe a possi-
bilidade de alteração do Código Civil
por lei que seja aprovada pelo Con-
gresso Nacional. Aliás, há vários
projetos de lei tramitando no Congres-
so, tendentes a alterar o Código. To-
dos, sem exceção, pretendem alterar o
próprio mérito das disposições legais
que se pretende sejam alteradas, além
de algumas alterações de forma para
acerto de redação e correção de remis-
sões.
AL – Faltou debate com os “ope-
radores do direito”, antes de sua
aprovação no Congresso Nacional e
sua sanção presidencial?
Nelson Nery –
Talvez porque não
tenha havido debate suficiente com a
comunidade jurídica e com a so-
ciedade sobre o
projeto de Código
Civil é que esses
problemas ocor-
reram. Vê-se cla-
ramente que os ju-
ristas que suge-
riram as alte-
rações – os proje-
tos de maior
relevância foram
apresentados pelo
Deputado Ricar-
do Fiúza, que en-
capou sugestões
de juristas – querem ser ouvidos. Ou
por outra, não foram ouvidos previa-
mente, como seria desejável num pro-
cesso democrático como deve ser o da
tramitação de um Código Civil. Se o
debate tivesse acontecido, teríamos um
Código Civil melhor ainda, minimi-
zando sobremodo os ataques que lhe
têm sido dirigidos.
AL – As entidades representativas
das categorias; juízes, advogados,
promotores, professores de direito,
faculdades de direito, participaram
ativamente do processo de elaboração
do Código?
Nelson Nery –
Não houve debate
mesmo. A comissão de juristas
elaborou o anteprojeto, que não foi
discutido com os juristas, juízes, pro-
motores, advogados, tampouco com a
sociedade civil. De certo modo houve
também comodismo, pois poderiam
ter sido enviadas sugestões para o aper-
feiçoamento do anteprojeto. Entretan-
to, da forma como estava sendo con-
duzido o processo, a tônica era não
produzir alterações no texto originário
que pudessem comprometer o “siste-
ma” do Código. Prova disso foi a ati-
tude do professor Bulhões, que en-
viou uma série de sugestões, publica-
das em livro. De fato, dada a importân-
cia dessa lei, deveria ter sido aberto o
debate com todos os interessados,
numa abertura para valer e não apenas
“
pró forma”.
AL - A partir de 12 de janeiro de
2003
vai ocorrer o quê com o cidadão
brasileiro? Será possível observar
nitidamente as modificações opera-
das pelo novo Código na vida do povo
brasileiro? Dê alguns exemplos.
Nelson Nery -
O Código Civil
entrará em vigor em 12 de janeiro de
2003.
As mu-
danças serão
s ub s t anc i a i s .
Mas o povo vai
sentir imedia-
tamente, por
exemplo, a di-
minuição da
maioridade civil
de vinte e um
para dezoito
anos, equiparan-
do-a à maio-
ridade penal. As
mudanças no
direito de família e no direito suces-
sório, ainda que não tenham sido
ideais, as que já existem provocarão
alteração de comportamento do ci-
dadão brasileiro, pois há novos re-
gimes de bens no casamento, o côn-
juge passa a ser herdeiro concorrendo
com os filhos, etc.
AL – Frente aos grandes blocos
(
Livros) temáticos que compõem o
novo Código Civil, qual aquele onde
os avanços são irrepreensíveis?
Nelson Nery –
Não destaco
nenhum livro em particular, pois to-
dos têm avanços consideráveis. Os ins-
titutos do Direito Privado já estabili-
zados foram mantidos no Novo Códi-
go. Poderia ter havido mais ousadia,
como, por exemplo, o tratamento da
excessiva onerosidade, prevista como
causa de resolução do contrato, desde
que se tenha comprovado a impre-
visão, seguindo-se o modelo do Códi-
go Civil italiano de 1942. O Código
de Defesa do Consumidor tornou a
excessiva onerosidade causa de revisão
(
portanto, de manutenção) do contra-
to, de forma objetiva, isto é, sem que
o elemento imprevisão tenha sido con-
siderado como necessário para a apli-
cação do instituto da revisão. Esse
sistema é muito mais avançado que o
proposto pela letra fria do novo Códi-
go Civil. É certo que se pode extrair
interpretação sistemática, conjugando-
se, por exemplo, os artigos 317 e 478,
para concluir ser possível, mesmo no
sistema do novo Código Civil, a re-
visão do contrato. O tratamento dado
pela nova lei aos direitos de persona-
lidade é de suma importância, pois não
possuíam nenhum regulamento no
antigo Código Civil. O livro do direito
de empresa é de grande importância,
pois trouxe a unificação legislativa da
parte obrigacional do direito privado.
Deixou-se o regulamento da sociedade
anônima, bem como dos títulos de
crédito, para a legislação especial: fi-
cam no Código Civil as normas funda-
mentais sobre direito societário e sobre
a teoria geral dos títulos de crédito.
AL – Como o senhor avalia o
capítulo relativo à Família, aquele
que parece ter merecido grande
destaque do novo Código?
Nelson Nery –
Realmente houve
muita modificação no livro dedicado
ao direito de família. O tratamento do
parentesco, da filiação, do regime de
bens no casamento, bem como a ex-
clusão do regime dotal e do deflora-
mento da mulher, desconhecido pelo
marido, como causa de anulação do
casamento. A inseminação artificial
teve poucas considerações no novo
Código, como seria de rigor, dada a
dinâmica, com que se tem alterado
essa matéria nas ciências metajurídi-
cas. No direito das sucessões, igual-
mente, as mudanças foram sensíveis,
como já mencionado.
setembro a novembro de 2002
9
“
De fato faltou
debate sobre o
anteprojeto. Mas,
também houve
comodismo dos
profissionais que
poderiam ter enviado
contribuições.”