fevereiro de 2003
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Foto: Luiz Cláudio Barbosa
C
ompreender o ambiente de re-
gulação é fundamental, espe-
cialmente neste momento, em
que novo Governo se inicia,
ungido por programa pautado
pelo “resgate do controle do
Estado sobre atividades con-
a r t i g o
O “Ambiente de Regulação” não
comporta ideologias ultrapassadas.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro
é advogado especialista em Direito Ambiental, diretor da ABAA - Associação Brasileira dos Advogados
Ambientalistas, Professor de Direito Ambiental.
sideradas essenciais”. É necessário,
porém, que se promova, igualmente, o
resgate do conceito que gerou a profun-
da reforma do Estado brasileiro nos úl-
timos quinze anos, in-
troduzindo uma nova tec-
nologia de gestão, de-
nominada
“
ambiente de
regulação”
.
Conseqüên-
cia da adoção dos inte-
resses difusos como vetor
tutelado pelo Estado, for-
mando o que chamamos
de “terceira geração de
direitos da era moderna”.
Diferente dos direitos
individuais de primeira
geração (onde há a pre-
ponderância da vontade
pessoal, da liberdade de contratar e da
propriedade), dos direitos coletivos de
segunda geração (com os chamados con-
tratos coletivos, a sindicalização e a
relação previdenciária), a tutela dos
direitos difusos compreende, em
primeiro lugar, o reconhecimento de que
nem sempre a “vontade da maioria” sig-
nifica prevalência desta sobre o interesse
do Estado e destes sobre o Interesse
Público.
Outro aspecto relevante dessa nova
ordem é que os papéis dos poderes exe-
cutivo, legislativo e judiciário já não são
mais exercidos como tradicionalmente
o eram na chamada democracia repre-
sentativa. Hoje, o que existe é um Esta-
do de Poderes permeáveis que não age
regido apenas pela posição programáti-
ca de seus mandatários, mas através de
uma série de estruturas incrustadas na
administração, denominadas “mecanis-
mos de participação”. Conselhos técni-
cos multidisciplinares, de cidadãos e or-
ganizações não governamentais, audiên-
cias públicas e consultas setoriais cons-
tituem mecanismos que interferem nos
poderes executivo, legislativo e ju-
diciário. Não raro, nos deparamos com
mudanças na atividade econômica oca-
sionadas por resoluções, com força de
lei, emanadas a partir de deliberações
de conselhos técnicos, quando não pre-
cedidas por determinação judicial face
ao executivo.
Este fenômeno deve ser compreen-
dido tendo-se em vista que interesses
que afetam o meio ambiente, energia,
saneamento, saúde, segurança pública,
educação, entre outros,
são indivisíveis e dizem
respeito a um número in-
determinado de pessoas,
independentemente de
classe social ou até mes-
mo de nacionalidade.
É verdade que a ca-
pacidade de fomento do
Governo, em especial
nestas matérias de direito
difuso, sofre sensível
redução. A figura do Es-
tado Provedor é substi-
tuída pela do Estado
Regulador.
Surgem as chamadas
“
agências re-
guladoras”,
que passam a monitorar
atividades econômicas que antigamente
possuíam cunho estatizante e que, ago-
ra, mesmo privatizadas, não perderam a
essência de interesse público.
Sendo o ambiente de regulação um
ambiente de ordem pública, deve estar
vinculado a uma estrutura constitucio-
nal e orientado por leis emanadas pelos
parlamentos. No entanto, essa legislação
sofre mudanças estruturais profundas.
Face à capacidade de intervenção da
sociedade civil organizada e dos agentes
econômicos nas atividades de regulação
e à dinâmica tecnológica e social dos
dias atuais, não compete mais aos par-
lamentos editar
“
Leis Codificadas
”,
que
congelam processos técnicos e econômi-
cos, cujos procedimentos são rapida-
mente tornados obsoletos.
A técnica legislativa de terceira gera-
ção é aquela que privilegia a formulação
de
Políticas Públicas
,
e
ntendidas estas
não apenas como figura de linguagem,
mas como ação do Estado, vinculada à
Constituição, adstrita à Lei, e, portanto,
matéria de Direito Púbico. Uma Políti-
ca Pública distingue-se das leis codifi-
cadas por não engessar as ações gover-
namentais.
Assim, a verdadeira Política Públi-
ca deve ter como norte estabelecer
princípios, objetivos, definições de con-
ceitos legais, normas gerais e instrumen-
tos para sua implementação. A sua regu-
lamentação, bem como o estabelecimen-
to de mecanismos de solução de confli-
tos, devem ser definidos pelas Agências
Reguladoras e pelos Conselhos a elas
adstritos, com a participação da so-
ciedade civil.
Essa nova página da história já pode
ser sentida no Brasil e no resto do mun-
do, sendo adotada por organismos inter-
nacionais de fomento e comércio, não
havendo como ser ignorada e mesmo
descartada isoladamente por este ou por
outro país.
Com a Reforma do Estado e o pro-
cesso de privatização ocorrido a partir
de 1995, instalou-se definitivamente o
ambiente de regulação em nosso país.
Este é o ambiente vigente hoje nos seto-
res de telefonia, recursos hídricos, ener-
gia, combustíveis e transportes. É o
ambiente que vem sendo implantado na
defesa da livre concorrência, na tutela
dos direitos dos menores e adolescentes
e das relações de consumo e que espe-
ramos ver, em breve, adotada também
na gestão do saneamento básico e na
gestão ambiental, esta última ordenada
por uma Lei de Política Nacional vigente
há vinte anos, porém não modernizada
na sua estrutura regulatória e sistêmica.
O ambiente de regulação exige que
o administrador público esteja despido
de blindagens ideológicas ultrapassadas,
etiquetado como “liberal” ou “socialis-
ta”, ou vítima de qualquer outra visão
calcada no pensamento excessivamente
racional e kantiano, que ruiu com o
Muro de Berlim, no final do Séc. XX.
Resta, portanto, saber se os novos go-
vernantes do Brasil do Séc. XXI saberão
dar curso a esse processo que é históri-
co e mundial.
É isso que difere os Estadistas dos
Gerentes, os Democratas dos Buro-
cratas!
Antonio Fernando Pinheiro Pedro