Revista Ambiente Legal
deixam suas regiões por problemas am-
bientais. Entretanto, permanecem no
país de origem.
Bogardi complementa que as ví-
timas dessas ocorrências são tratadas
pelos governos como migrantes e não
refugiados ambientais.
O advogado Manuel Fernandes, do
Centro de Defesa de Direitos Humanos
dos Refugiados (Cedhur), que articula
políticas públicas para essas vítimas,
afirma que os refugiados ambientais
precisam entrar na pauta das discussões
internacionais e também no debate na-
cional.
Brasileiros “desplazados” -
Atu-
almente vivem no Brasil cerca de 4
mil refugiados. Os especialistas garan-
tem que não existem casos de pessoas
que chegaram aqui por conta de pro-
blemas ambientais. Entretanto, temos
nossas próprias vítimas do descaso
com a natureza. No exterior, seriam
classificadas como “desplazados”, mas
aqui recebem outros nomes: retiran-
tes, migrantes, despejados. Nenhum
desses grupos conta com legislação
específica para protegê-los.
Estima-se que há um milhão de
brasileiros que tiveram de deixar suas
casas por causa da construção, nos últi-
mos 20 anos, de duas mil barragens. “É
traumatizante. Você perde suas origens,
suas raízes e é desvinculado de sua co-
munidade. Tem de abandonar o lugar
onde planejava viver o resto de sua vida
e ser enterrado”, conta Hélio Mecca,
um dos coordenadores do Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB).
Sua família enfrentou, por duas vezes,
essa dura experiência. Na última mu-
dança, encontraram uma nova vida a
350
quilômetros de distância.
O movimento tem feito articulações
para conseguir uma legislação específica
para essas populações. “Não existem leis
que nos protejam. Ficamos à mercê das
negociações locais”, afirma Meca.
Morte anunciada -
Gilbaués, locali-
zada a 900 quilômetros de Teresina, no
Piauí, é a cidade que possui a maior área
desertificada contínua do país. Crateras
e terra vermelha compõem um quadro
desolador.
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Con f l i to Abe r to
Este ano, uma idéia original de um
designer brasileiro foi uma das estrelas
da Feira de Móveis de Milão. Pensan-
do em oferecer um pouco de conforto
e beleza em meio ao caos vivido pelas
vítimas de tragédias ambientais, quase
sempre levadas para abrigos precários,
foi que Ivo Pons idealizou o Mobiliário
Temporário para Desabrigados. Feitas
de papelão, as camas, mesas, sofás, ber-
ços, estantes e outras peças são funcio-
nais, resistentes e de fácil transporte.
Nosso objetivo é criar uma paten-
te aberta para que os produtos possam
ser fabricados mundialmente em casos
de necessidade extrema”, informa Pons,
professor da Universidade Mackenzie
de São Paulo.
Os móveis foram pensados inicial-
mente para os desabrigados das enchen-
tes da capital paulista durante o verão.
Mas as peças servem para qualquer
tipo de desabrigado. E o mais impor-
Não sabemos se vamos desaparecer
em 10 anos, como nos dizem. Estamos
tentando descobrir o que pode ser fei-
to”, afirma a professora Ivete Gomes da
Silva, que junto com outros moradores
e estudiosos fundaram a SOS Gilbaués,
entidade para discutir o problema.
Pessoalmente, Ivete não acredita que
todos os moradores se tornarão refugia-
dos ambientais. “Mas não dá para negar
que o problema é visível”, comenta a
professora.
A cidade chegou a esse estágio de
degradação por causa da mineração de-
senfreada de diamantes entre as décadas
de 1940 e 60. A extração insustentável,
somada a outras intervenções do ho-
mem na natureza e um clima diferen-
ciado resultaram no atual cenário.
E o problema não é só em Gilbaués.
Estimativas oficiais apontam que são
180
mil quilômetros quadrados de de-
sertificação no semi-árido nordestino,
ou cerca de 1,5 mil municípios distri-
buídos em 11 estados. O número de
afetados na região é de 30 milhões de
pessoas.
tante é que quando as pessoas deixam
os abrigos, elas podem levá-las para suas
casas e ficar com elas até reconstruir
suas vidas”, observa o professor.
Os móveis duram seis meses. Uma
característica é que os espaços são
aproveitados ao máximo. A cama tem
amplas gavetas e tem a vantagem de
poder ser enrolada para facilitar seu
transporte.
O Mobiliário Temporário para
Desabrigados nasceu de uma parceria
entre os estudantes de Desenho Indus-
trial e de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Mackenzie e profissionais
do setor. Atualmente, os móveis estão
passando pelos últimos testes para cer-
tificação do produto. A proposta é pro-
duzi-los a partir de parcerias com pre-
feituras e empresas. (MC)
Quando o design faz a diferença
A cama para desabrigados é bonita e funcional.